domingo, 16 de junho de 2013

ARISTÓTELES e as MULTIDÕES ( escrito há mais de 2 mil anos )




Fui buscar algo que lembrava vagamente ter lido de Aristóteles ( Estagira384 a.C. — Atenas322 a.C.em 1985, em "A Política". Peguei o livro cheio de ácaros semana passada, abri aleatoriamente, e abriu exatamente neste ponto, em minha meditação:

" (...) Ora, em qualquer arte, é loucura seguir as regras à risca, como se faz no Egito, por exemplo, onde não se permite ao médico fazer uma prescrição antes do quarto dia da moléstia; se ele opera mais cedo, é por sua própria conta. É claro pois, pela mesma razão, que a obediência ao pé da letra e no texto da lei não faz o melhor governo. No entanto, é preciso que este modo geral de agir se encontre também nos que exercem o poder; e, por outro lado, aquele que é completamente inacessível às paixões e às moléstias é preferível ao que lhes é sujeito por natureza. A lei é inflexível; a alma humana, ao contrário, está forçosamente sujeita às paixões.

Mas, dirão, o homem saberá melhor que a lei decidir sobre os casos particulares. Vê-se então que ele se torna ao mesmo tempo legislador, e que haverá regras que não terão a autoridade absoluta da lei, sempre que se afastam do seu espírito geral, posto que, sob outros aspectos, devem ter a mesma autoridade. Sempre que for possível à lei pronunciar-se de um modo justo e absoluto, melhor será que todos os cidadãos, ou apenas os mais virtuosos dentre eles resolvam? Hoje são os cidadãos reunidos em  assembléia (sic) que julgam, deliberam, pronunciam; e todos esses julgamentos se referem a casos particulares. Sem dúvida, cada indivíduo, comparado à multidão tem talvez menos mérito e virtude, pois a cidade composta de uma multidão de cidadãos tem mais valor, do mesmo modo que um banquete ao qual cada um traz a sua parte é mais belo e menos simples que aquele que é custeado por uma só pessoa. É por isso que, na maioria das vezes, a multidão é melhor juiz que um só indivíduo, qualquer que ele seja.

A multidão possui ainda a vantagem de ser mais incorruptível. A água se adultera tanto menos facilmente quanto maior for a sua quantidade (grifo nosso); do mesmo modo a multidão é mais difícil de corromper que o pequeno número. Quando um homem se deixa dominar pela cólera ou qualquer outra paixão semelhante, forçosamente o seu julgamento será alterado; mas é bem difícil que todos ao mesmo tempo se deixem inflamar pela cólera e seduzir pelo erro. Suponhamos uma multidão de homens livres, nada fazendo que seja contrário à lei, exceto nos casos em que ela seja forçosamente falha. Se isso não é fácil em uma grande multidão, compondo-se essa multidão, entretanto, só de pessoas de bem, como homens e como cidadãos, será um só indivíduo, tomado entre esses senhores da república, mais incorruptível, ou o será mais a própria multidão, visto que todos que a compõem são homens de bem? Não é evidente que a vantagem estará ao lado da maioria? Mas, dirão os que a compõem são divididos nos seus sentimentos; um homem só não pode sê-lo. Poder-se-ia dar por resposta que se imaginaram os homens que compõem a multidão tão virtuosos como o indivíduo que a elas se opõe. 

(...)

Texto: A Política -Aristóteles -Ediouro/20190 ( págs. 138 a 140 )


Imagem: Cidade de São Paulo - Capital do Estado de São Paulo - Brasil - junho de 2013.

Sementes Espaço Ponto de Luz de Rosana Rodrigues.

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