sábado, 8 de março de 2014

ESTUDO DOS VEDAS (cont.) - CAP. III - KARMA-YOGA


CAPÍTULO III: Karma-yoga





Pérola 17. SEGUINDO A PRÓPRIA NATUREZA (versos 1 a 8)


1. Arjuna disse: Ó Janardana, ó Keshava, por que queres ocupar-me nesta guerra terrível, se achas que a inteligência é melhor do que o trabalho fruitivo? 2. Minha inteligência ficou confusa com Tuas instruções equívocas. Portanto, dize-me definitivamente o que me será mais benéfico. 3. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó virtuoso Arjuna, acabei de explicar que há duas classes de homens que tentam compreender o eu. Alguns se inclinam a compreendê-lo pela especulação filosófica empírica, e outros, pelo serviço devocional. 4. Não é possível livrar-se da reação só porque se deixa de agir, nem pode alguém atingir a perfeição só porque pratica a renúncia. 5. Todos são irremediavelmente forçados a agir segundo as qualidades que adquirem nos modos da natureza material; portanto, ninguém pode deixar de fazer algo, nem mesmo por um momento. 6. Aquele que impede os sentidos de agir, mas não afasta sua mente dos objetos dos sentidos, decerto ilude a si mesmo e não passa de um impostor. 7. Por outro lado, se uma pessoa sincera utiliza a mente para tentar controlar os sentidos ativos e passa então a praticar karma-yoga sem apego, ela é muito superior. 8. Executa teu dever prescrito, pois este procedimento é melhor do que não trabalhar. Sem trabalho, não se pode nem ao menos manter o corpo físico.

Pudemos ver no capítulo anterior duas espécies de procedimentos para quem busca a auto-realização – sankhya-yoga, o estudo analítico da natureza material e espiritual, e karma-yoga, a qual é também conhecida como buddhi-yoga, ou a ação baseada no conhecimento espiritual através da qual fica-se livre de qualquer reação material. O processo de sankhya é geralmente aceito por pessoas inclinadas a especular filosoficamente e a compreender as coisas através do conhecimento experimental. Tais pessoas costumam se afastar da vida ativa e dedicam-se a praticar penitências e austeridades num lugar isolado. Em karma-yoga, porém, a pessoa sente grande prazer espiritual em agir para a satisfação de Krishna. Portanto, ao invés de se afastar das atividades tidas como materiais, o karma-yogi aprende a arte de espiritualizar tais atividades, enquanto permanece ocupado de acordo com a sua própria natureza. Como as pessoas comuns sentem muita dificuldade em compreender que em karma-yoga não é necessário afastar-se das atividades materiais e sim afastar-se do gozo dos sentidos materiais, Arjuna pede para o Senhor Krishna definitivamente tornar este tema mais claro. Como resposta, o Senhor diz que simplesmente por se afastar das atividades mundanas, a pessoa não pode manter-se livre das reações. A condição de Arjuna como um kshatriya era um exemplo perfeito disso, pois, caso ele renunciasse a luta, estaria incorrendo em pecado e certamente teria de sofrer severas reações. Ao seguir sua própria natureza, qualquer pessoa consciente de Deus sente grande satisfação em se ocupar no serviço devocional amoroso e, gradualmente, obtém grandes percepções a nível material e espiritual. No entanto, quando a pessoa tenta contrariar sua natureza, reprimindo suas tendências naturais, ela se depara com uma luta constante com seus sentidos e mente, cujo resultado é o inevitável enfraquecimento espiritual.
A conclusão é que todos devem permanecer na sua própria ocupação natural com o propósito de alcançar o objetivo da vida, em vez de se tornar um pseudotranscendentalista que se recusa a trabalhar em consciência de Krishna enquanto a mente permanece apegada aos objetos dos sentidos. Em outras palavras, enquanto se vive neste mundo material, não se deve abandonar caprichosamente o trabalho, pois a propensão a dominar a natureza material e satisfazer os sentidos é realmente muito forte. Estas propensões mundanas precisam ser purificadas e, para isso, é mais adequado nos ocuparmos em nossos deveres prescritos e oferecermos os frutos desta ocupação como uma oferenda devocional ao Senhor. Tal oferecimento é chamado yajña, ou sacrifício.


Pérola 18. A IMPORTÂNCIA DO SACRIFÍCIO (versos 9 a 16)


9. Deve-se realizar o trabalho como um sacrifício a Vishnu; caso contrário, o trabalho produz cativeiro neste mundo material. Portanto, ó filho de Kunti, executa teus deveres prescritos para a satisfação dEle, e desta forma sempre permanecerás livre do cativeiro. 10. No início da criação, o Senhor de todas as criaturas enviou muitas gerações de homens e semideuses, que deveriam dedicar-se a executar sacrifícios para Vishnu, e abençoou-os dizendo: “Sede felizes com este yajña (sacrifício) porque sua execução outorgar-vos-á tudo o que é desejável para viverdes com felicidade e alcançardes a liberação”. 11. Os semideuses, estando contentes com os sacrifícios, também vos agradarão, e assim, pela cooperação entre homens e semideuses, a prosperidade reinará para todos. 12. Cuidando das várias necessidades da vida, os semideuses, estando satisfeitos com a realização de sacrifício, suprirão todas as vossas necessidades. Mas aquele que desfruta destas dádivas sem oferecê-las aos semideuses como reconhecimento é certamente um ladrão. 13. Os devotos do Senhor libertam-se de todas as espécies de pecados porque comem alimento que primeiramente é oferecido como sacrifício. Outros, que preparam alimento para o próprio gozo dos sentidos, na verdade comem apenas pecado. 14. Todos os corpos vivos subsistem de grãos alimentícios, que são produzidos das chuvas. As chuvas são produzidas pela execução de sacrifício, e o sacrifício nasce dos deveres prescritos. 15. As atividades reguladas são prescritas nos Vedas, e os Vedas manifestam-se diretamente da Suprema Personalidade de Deus. Por conseguinte, a Transcendência onipenetrante situa-Se eternamente nos atos de sacrifício. 16. Meu querido Arjuna, aquele que, na vida humana, não segue esse ciclo de sacrifício estabelecido pelos Vedas certamente leva uma vida cheia de pecado. Vivendo só para a satisfação dos sentidos, tal pessoa vive em vão.

A prosperidade humana é completamente dependente das dádivas naturais, as quais são supridas pela misericórdia do Senhor. Portanto, se a civilização humana for consciente de Deus e viver de modo simples, voltada principalmente para seu interesse em auto-realização, o Senhor estará satisfeito e abençoará a todos, suprindo-os com amplo fornecimento de opulências materiais. Como está claramente explicado aqui, a lei natural dá permissão para que, através do processo conhecido como yajña ou sacrifício, os seres humanos piedosos tirem o máximo proveito das dádivas divinas presentes na natureza. Porém, o homem materialista não é capaz de compreender este fato e se dedica a uma vida artificial que supervaloriza os empreendimentos industriais. Isto se deve unicamente à visão ateísta do homem moderno, que perdeu sua consciência de Deus e, por isso, tem causado uma condição de vida infernal, vivendo em função da exploração predatória da natureza material.
Fica claro, portanto, que, para nos mantermos afastados de todas as espécies de contaminações produzidas pela associação mundana no mundo material, devemos executar yajñas, ou sacrifícios, assumindo nossos deveres prescritos em consciência de Krishna da forma mais impecável possível.
Como foi discutido anteriormente, a atração dos sentidos pelos objetos é inevitável. Os olhos desejam contemplar belas formas, os ouvidos querem ouvir sons agradáveis, o paladar deseja saborear alimentos saborosos e assim por diante. Desse modo, uma pessoa que queira evitar os perigos da contaminação material terá de impedir que os sentidos materiais se ocupem em desfrutar dos objetos dos sentidos mundanos, redirecionando-os para os objetos dos sentidos espirituais. Isso é o verdadeiro conceito de sacrifício – tirar os sentidos do contato com a matéria e colocá-los a serviço do Senhor. Utilizando os sentidos para a satisfação do Senhor, a pessoa alcança a posição de liberação e, no devido tempo, retorna ao reino de Deus. Por outro lado, não agindo para a satisfação do Senhor, qualquer pessoa terá de permanecer neste mundo material, tentando inutilmente satisfazer seus sentidos, e terá de conviver com diferentes reações materiais que, certamente, irão ser a causa de sofrimento material.
O verdadeiro propósito dos sacrifícios é satisfazer a Pessoa Suprema, o Senhor dos sacrifícios. Quando os sacrifícios são devidamente executados, o Senhor dos sacrifícios Se torna satisfeito e, como consequência, os semideuses, os quais são agentes que têm autoridade para agir em nome da Suprema Personalidade de Deus, também se satisfazem. Como encarregados dos diferentes departamentos de fornecimentos, os semideuses, satisfeitos, não permitem que haja escassez de recursos naturais. Eles são considerados como partes do Senhor e, por agirmos em consciência de Krishna, estaremos servindo e satisfazendo o Todo, o que inclui naturalmente a satisfação de Suas partes, os semideuses. É importante compreender que os diferentes sacrifícios recomendados nos Vedas para a satisfação dos semideuses são, em última análise, oferecidos à Suprema Personalidade de Deus. Tais sacrifícios são executados para que os semideuses possam fornecer ar, luz e água suficientes para que haja produção de grãos alimentícios em abundância. No entanto, quando o Senhor Krishna é adorado, os semideuses, que são diferentes membros do Senhor, são também automaticamente adorados, sendo desnecessário um esforço em adorá-los independentemente do Senhor. A conclusão é que a adoração dos semideuses é executada por aqueles que têm insuficiente fundo de conhecimento. Ainda assim, através deste processo, uma pessoa poderá se livrar da reação pecaminosa de usurpar as substâncias naturais que, sob a sanção superior do Senhor, são fornecidas pelos semideuses. Devemos compreender, portanto, que as necessidades da vida são os cereais, as frutas, o leite, etc. – os quais são supridos unicamente pelos semideuses dotados de poderes divinos. Os seres humanos não podem fabricar o calor, a luz, o ar, a água, etc., sem os quais ninguém pode viver. Torna-se completamente evidente que nossa vida depende das substâncias naturais fornecidas pelo Senhor e devemos fazer um uso apropriado delas para nos manter saudáveis e em condições adequadas para a auto-realização espiritual. Porém, se aquilo que recebemos do Senhor e de Seus agentes for utilizado para mero gozo dos sentidos, certamente nos tornaremos ladrões e teremos de ser punidos pelas leis da natureza material.


Pérola 19. PARA A ALMA AUTO-REALIZADA NÃO HÁ DEVER (versos 17 a 20)


17. Mas para quem sente prazer no eu e utiliza a vida humana para buscar a auto-realização, satisfazendo-se apenas com o eu, ficando plenamente saciado – para ele não há dever. 18. Um homem auto-realizado não tem propósito a cumprir no desempenho de seus deveres prescritos, tampouco tem ele alguma razão para não executar tal trabalho. Nem tem ele necessidade alguma de depender de nenhum outro ser vivo. 19. Portanto, sem se apegar aos frutos das atividades, tem-se de agir por uma questão de dever, pois, trabalhando sem apego, alcança-se o Supremo. 20. Reis tais como Janaka alcançaram a perfeição com a simples execução dos deveres prescritos. Portanto, apenas para educar o povo em geral, deves executar teu trabalho.

Os rituais védicos, tais como os sacrifícios prescritos, visam à purificação das atividades passadas de uma pessoa que se entregou ao gozo dos sentidos; por isso, eles são imprescindíveis para pessoas que relutam em se ocupar a serviço do Senhor. Quem é consciente de Krishna, porém, se ocupa em atividades espirituais, as quais são livres das reações boas ou más. Tais almas puramente conscientes de Krishna são auto-realizadas e inteiramente desapegadas das atividades deste mundo. No entanto, ainda que não tenha interesses pessoais por este mundo, uma pessoa completamente consciente de Krishna deve se ocupar de uma maneira exemplar e cumprir o propósito de ensinar a todos como se deve agir e como se deve viver. Ainda assim, tal pessoa realmente consciente de Krishna atuará sempre para o prazer do Senhor e, desse modo, irá manter-se inteiramente satisfeita. Para tal pessoa, na verdade, não haveria mais necessidade de aceitar deveres prescritos específicos, pois, pela graça do Senhor, todas as impurezas que existiam em seu coração, resultado acumulado de muitas e muitas vidas, são eliminadas através de suas atividades devocionais. Evidentemente, nem o Senhor Krishna nem Seu amigo Arjuna precisariam ocupar-se na Batalha de Kurukshetra. Eles só lutaram para ensinar as pessoas que a violência às vezes se faz necessária, especialmente quando ela visa à proteção da religiosidade.

Pérola 20. O COMPORTAMENTO EXEMPLAR DO SENHOR KRISHNA (versos 21 a 24)

21. Seja qual for a ação executada por um grande homem, os homens comuns seguem, e o mundo inteiro procura imitar todos os padrões que ele estabelece através de seus atos exemplares. 22. Ó filho de Pritha, não há trabalho prescrito para Mim dentro de todos os três sistemas planetários. Nem sinto falta de nada, nem tenho necessidade de obter algo – e mesmo assim ocupo-Me nos deveres prescritos. 23. Pois, se alguma vez Eu deixasse de ocupar-Me na cuidadosa execução dos deveres prescritos, ó Partha, todos os homens decerto seguiriam Meu caminho. 24. Se Eu não executasse os deveres prescritos, todos estes mundos seriam levados à ruína. Eu causaria a criação de população indesejada, e com isso Eu destruiria a paz de todos os seres vivos.

Sri Krishna é o controlador dos controladores e tudo e todos estão sob Seu controle. Ele é a causa de todas as causas e ninguém é igual ou superior a Ele. Ele possui opulências plenas e é a Suprema Deidade adorável. Evidentemente, a Suprema Personalidade de Deus é transcendental às regras e regulações, as quais existem unicamente para disciplinar e purificar as almas condicionadas que dependem dos resultados de seu trabalho e, por isso, se encarregam de diferentes deveres.
Sendo transcendental, o Senhor não tem o menor interesse em nada deste mundo e, portanto, não precisa aceitar nenhum dever prescrito. No entanto, as almas condicionadas precisam de exemplos vivos de grandes líderes que as ensinem a se comportar de uma maneira exemplar. Desse modo, por Sua bondade sem limites, o Senhor vem a este mundo e age unicamente para o benefício das pessoas em geral. Assim, Ele assume para Si mesmo a responsabilidade de ser a maior autoridade de modo que as pessoas comuns sigam Seus passos e alcancem a perfeição da vida. Devemos, no entanto, entender claramente que as regras e regulações prescritas nas escrituras nunca podem afetá-lO, mas, ainda assim, para estabelecer os princípios religiosos Ele prefere segui-las à risca.


Pérola 21. A AÇÃO DO SÁBIO E A AÇÃO DO IGNORANTE (versos 25 a 35)


25. Assim como os ignorantes executam seus deveres com apego aos resultados, os eruditos também podem agir, mas sem apego, com o propósito de conduzir as pessoas para o caminho correto. 26. Para não perturbar as mentes dos homens ignorantes apegados aos resultados fruitivos dos deveres prescritos, o sábio não deve induzi-los a parar de trabalhar. Ao contrário, trabalhando com espírito de devoção, ele deve ocupá-los em todas as espécies de atividades para que pouco a pouco desenvolvam a consciência de Krishna. 27. Confusa, a alma espiritual que está sob a influência do ego falso julga-se a autora das atividades que, de fato, são executadas pelos três modos da natureza material. 28. Quem tem conhecimento da Verdade Absoluta, ó pessoa de braços poderosos, não se ocupa a serviço dos sentidos e do gozo dos sentidos, pois conhece bem as diferenças entre trabalho com devoção e trabalho em busca de resultados fruitivos. 29. Confundidos pelos modos da natureza material, os ignorantes ocupam-se plenamente em atividades materiais e tornam-se apegados. Mas os sábios não devem inquietá-los, embora estes deveres sejam inferiores por causa da falta de conhecimento daqueles que os executam. 30. Portanto, ó Arjuna, ofertando-Me todos os teus trabalhos, com pleno conhecimento de Mim, sem desejos de lucro, sem alegares ter alguma posse, e livre da letargia, luta. 31. Aqueles que cumprem seus deveres de acordo com Meus preceitos e que sem inveja seguem fielmente este ensinamento livram-se do cativeiro das ações fruitivas. 32.Mas aqueles que, por inveja, rejeitam estes ensinamentos e não os seguem devem ser considerados desprovidos de todo o conhecimento, enganados e malogrados em seus esforços pela perfeição. 33. Até mesmo um homem de conhecimento age segundo sua própria natureza, pois cada qual segue a natureza que adquiriu dos três modos. Que se pode conseguir com a repressão? 34. Há princípios que servem para regular o apego e a aversão relacionados com os sentidos e seus objetos. Ninguém deve ficar sob o controle desse apego e aversão, porque são obstáculos no caminho da auto-realização. 35. É muito melhor cumprir os próprios deveres prescritos, embora com defeito, do que executar com perfeição os deveres alheios. A destruição durante o cumprimento do próprio dever é melhor do que ocupar-se nos deveres alheios, pois seguir o caminho dos outros é perigoso.

Uma vez que os homens ignorantes não podem aceitar as atividades em consciência de Krishna, os sábios não devem desperdiçar seu tempo valioso, perturbando-os desnecessariamente. Sendo bondosos, no entanto, os devotos do Senhor toleram o mau comportamento dos ignorantes e aproximam-se deles para tentar ocupá-los apropriadamente.
Movida pelo ego falso, uma pessoa ignorante da sua natureza espiritual eterna considera-se a causa dos resultados de suas atividades e atribui o mérito unicamente a si própria. Ela não reconhece que seu corpo é um simples resultado de suas atividades passadas, o qual funciona sob a ordem do Senhor. Absorta em consciência material, a pessoa ignorante esquece-se de sua posição de servo amoroso do Senhor e dedica-se a servir seus próprios interesses pessoais.
Uma pessoa sábia, no entanto, nunca age visando à sua satisfação pessoal, mas está sempre ativa no serviço devocional amoroso e, assim, está sempre ajudando a pessoa ignorante a aperfeiçoar o seu comportamento. Quando observamos uma pessoa sábia agir, podemos comprovar que ela é dotada de grande conhecimento espiritual, pois mostra sua indiferença às exigências mundanas dos sentidos materiais. Por outro lado, absorto em designações materiais ilusórias, o ignorante vive preso ao desfrute de seus sentidos. Portanto, qualquer pessoa que queira se tornar sábia deve desenvolver conhecimento prático a respeito da existência eterna da alma. Ela precisa compreender que não é este corpo material e, sim, uma alma espiritual que tem habitado diferentes corpos temporários. Isto irá ajudá-la a perceber claramente que existe uma certa classe de prazeres materiais que é perigosa, pois produz reações materiais que irão desviá-la da sua meta espiritual. Desse modo, compreendendo bem a diferença entre trabalho prático em devoção e trabalho fruitivo, a pessoa pode exercer controle sobre suas paixões materiais e utilizar seus sentidos em trabalhos práticos com o único propósito de se purificar.


Pérola 22. O INIMIGO INSACIÁVEL CHAMADO LUXÚRIA (versos 36 a 46)


36. Arjuna disse: Ó descendente de Vrishni, que impele alguém a atos pecaminosos, mesmo contra a sua vontade, como se ele agisse à força? 37. A Suprema Personalidade de Deus disse: É somente a luxúria, Arjuna, que nasce do contato com o modo material da paixão e mais tarde se transforma em ira, e que é o inimigo pecaminoso que tudo devora neste mundo. 38. Assim como a fumaça cobre o fogo, o pó cobre um espelho ou um ventre cobre um embrião, diferentes graus de luxúria cobrem o ser vivo. 39. Assim, a consciência pura da entidade viva sábia é coberta por seu eterno inimigo sob a forma de luxúria, que nunca é satisfeita e queima como o fogo. 40. Os sentidos, a mente e a inteligência são os lugares que servem de assento para esta luxúria. Através deles, a luxúria confunde o ser vivo e obscurece o verdadeiro conhecimento que ele possui. 41. Portanto, ó Arjuna, ó melhor dos Bharatas, desde o começo, refreia este grande símbolo do pecado (a luxúria), regulando os sentidos, e aniquila este destruidor do conhecimento e da auto-realização. 42. Os sentidos funcionais são superiores à matéria bruta; a mente é superior aos sentidos; por sua vez, a inteligência é mais elevada do que a mente; e ela (a alma) é superior à inteligência. 43. Assim, sabendo que é transcendental aos sentidos, à mente e à inteligência materiais, ó Arjuna de braços poderosos, a pessoa deve equilibrar a mente por meio de deliberada inteligência espiritual (consciência de Krishna) e assim – pela força espiritual – vencer este inimigo insaciável conhecido como luxúria.

Aqui se explica que, ao vir ao mundo material, a entidade viva inevitavelmente passa a interagir com o modo da paixão, o que faz com que seu sentimento puro de amor por Deus se transforme em luxúria. O amor a Deus é uma qualidade natural de todo ser vivo puro, e se caracteriza pelo desejo espontâneo de agir para o prazer do Senhor. Este amor a Deus é comparado ao leite puro e a luxúria é comparada ao iogurte. Em outras palavras, assim como o leite em contato com uma substância ácida se transforma em iogurte, o amor a Deus em contato com a paixão material se perverte em luxúria, ou o desejo incontrolável de satisfazer os próprios sentidos materiais. A entidade viva, portanto, permanece presa a este mundo material unicamente por causa da luxúria, a qual é comparada ao fogo. Isto significa que, assim como não podemos apagar o fogo simplesmente jogando combustível nele, não podemos controlar a nossa luxúria simplesmente tentando satisfazê-la. A solução dada pelo Senhor é que a pessoa deve refrear esta propensão luxuriosa, pois esta austeridade executada por uma pessoa irá gradualmente tornar a luxúria cada vez mais fraca. Quando a luxúria é portanto refreada e, ao mesmo tempo, a pessoa se ocupa no serviço devocional ativo, esta mesma luxúria irá se reespiritualizar e irá recuperar sua natureza original pura. A grande dificuldade que o ser vivo corporificado enfrenta é que ele está viciado em satisfazer os sentidos e confunde o prazer ilusório dos sentidos com a verdadeira felicidade. Devido ao mau uso do seu livre-arbítrio, a entidade viva veio a este mundo material exclusivamente para tentar ser feliz independente de Deus. Passando a habitar um corpo material específico e recebendo da natureza material um tipo específico de visão, audição, paladar, etc., bem como uma mente, um intelecto e um ego materiais, os seres vivos se esquecem de sua natureza espiritual eterna. Por terem abusado de sua independência parcial, eles caíram nesta condição ilusória e são forçados pela influência da luxúria a permanecerem absortos em atividades de gozo dos sentidos. Esta criação material, no entanto, é feita pelo Senhor de uma maneira que os seres vivos nunca conseguirão satisfazer por completo suas propensões de gozo material. Ao contrário disso, esta constante busca infrutífera de gozo dos sentidos torna-se a causa da própria frustração do ser vivo, a qual o levará a indagar sobre sua verdadeira natureza espiritual.
Nos versos anteriores conseguimos compreender como podemos purificar a nossa própria natureza por aceitar deveres prescritos como um serviço em sacrifício ao Senhor. Contudo, podemos observar que na prática nossa natureza frequentemente se perverte e manifesta tendências pecaminosas. Arjuna, portanto, quer compreender que força é esta que nos confunde completamente e nos induz a agir contra nosso próprio interesse. Por esse motivo, o Senhor aqui revela que nosso verdadeiro inimigo, a luxúria, vive dentro de todos nós, e conclui que, através da prática da consciência de Krishna, a qual inclui conhecimento transcendental, a pessoa pode valer-se de sua força espiritual e gradualmente subjugar este inimigo tão perigoso.
 




Sementes do Espaço Ponto de Luz




Rasalila Devi Dasi

Rosana Rodrigues