Mostrando postagens com marcador Heterossexualismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Heterossexualismo. Mostrar todas as postagens

domingo, 13 de outubro de 2013

O ASSUNTO NÃO É VOCÊ

O ASSUNTO NÃO É VOCÊ 



Poucos conselhos são mais perversos e canalhas do que o popular “trate as
 outras pessoas como gostaria de ser tratada”.

Não é verdade. Sabe por quê? Porque a outra pessoa é uma outra pessoa.
Porque ela teve outra vida, outras experiências. Porque ela tem outros
traumas, outras necessidades. Basicamente, porque ela não é você; porque
você não é, nem nunca vai ser, nem deve ser, a medida das coisas.
Se você se usa como parâmetro para qualquer coisa, talvez devesse pensar
 duas vezes. A outra pessoa deve ser tratada não como VOCÊ gostaria
de ser tratada, mas como ELA merece e precisa ser tratada.

E você pergunta:
“Mas, Alex, como vou saber como essa tal outra pessoa merece e precisa
ser tratada?”
Bem, para isso, o primeiro passo é sair de si mesma e deixar de se usar
de parâmetro normativo do comportamento humano. Essa é a parte fácil.
Depois, abra bem os olhos e os ouvidos. Reconheça que existem outras
pessoas e que elas são bem diferentes de você.


Então, conheça-as.

racismo.
racismo, por eneko.

* * *

A primeira coisa que aprendemos em vendas é a colocar sempre
 o foco na cliente. A chave para vender algo é resolver um problema
 ou necessidade da cliente – nem que para isso você precise criar
a necessidade! Idealmente, suas frases devem girar sempre em torno
da cliente:

“O que posso fazer para colocá-LA em um carro novo hoje mesmo?”, etc.
As vendedoras não fazem isso à toa. Funciona mesmo.
Entretanto, nas últimas décadas, a técnica se espalhou.
Basta ver a capa de qualquer revista:
“20 maneiras de agradar SEU homem”, “A recessão: como ela afeta
 o SEU emprego”, “ENTENDA a crise em Ruanda”, etc.
Esse último é especialmente traiçoeiro, por ser mais discreto.
Entretanto, o efeito desse “entenda” é enorme, pois ele muda
totalmente o eixo da discussão. Agora, o foco não é mais
a crise em Ruanda, mas VOCÊ: o importante não é mais o sofrimento
 daquelas pessoas exóticas de uma cor diferente da sua, mas que 
VOCÊ entenda (superficialmente, claro) mais uma coisa para poder
demonstrar às colegas de trabalho como está up-to-date com assuntos
 internacionais. Você, você, você. Não podemos nem mais falar
sobre a crise em Ruanda sem arrastar, logo quem, VOCÊ para o meio
da conversa.
A falácia, naturalmente, é que você não tem nada a ver com a

 crise em Ruanda.


feminicídio, por carlos latuff.
feminicídio, por carlos latuff.


* * *

Falando em termos da classe média ocidental, vivemos em um
 mundo onde os pais e as mães param tudo para virar escravas
 das filhas: até Mozart na barriga da mãe escutam. Depois,
crescem sendo as deusas e os reizinhos da casa, mandando
 em empregadas, vendo o mundo girar a sua volta. Na TV,
 mil anúncios voltados pra elas. Nos mercados, mil produtos
 feitos especialmente para fazer as crianças pentelharem os
pais e as mães para comprá-los. Nas escolas, as alunas
agora também avaliam as professoras e exigem um bom
 serviço em troca das suas mensalidades. Se alfabetizam
 lendo as mesmas notícias acima, sobre como isso ou aquilo
 os afeta, sempre dando a entender que a crise em
Ruanda só existe para que a entendam.
Aí, crescem e se tornam pessoas adultas que, ao invés de
refletir sobre os privilégios que têm, lutam pelos que não
têm; que acham que uma petição online é mais que nada;
que pensam que vão salvar o mundo pelo consumo responsável,
comendo atum dolphin-free e palmito não-proveniente da
Mata Atlântica.
Ou seja, se tornam pessoas adultas que acham, sinceramente,
do fundo do coração, que tudo gira em torno delas.

Que o assunto é sempre elas.


por que você ainda é hétero?


por que você ainda é hétero?

* * *
Fala-se de racismo, e lá vem:
“mas tenho amigas negras”, “já namorei uma negra”, “chamo
 meu amigo de Sombra /Grafite/Tição/etc e ele nunca se importou”.
Só que sua opinião, seus amigos, suas namoradas, tudo isso
é irrelevante, entende? O racismo é maior que você, já
existia antes, vai continuar existindo depois. Essa discussão
tem que se dar no nível da história e da sociologia, dos
indicadores econômicos e das injustiças contemporâneas.
Quando muito, talvez, da experiência pessoal das pessoas
 negras que sofrem a discriminação, mas mesmo isso é
 altamente subjetivo, pois o preconceito também é introjetado
 pela própria comunidade. Mas, com certeza, não da SUA 
experiência pessoal.

O assunto não é você.


* * *
Fala-se de aquecimento global, e lá vem:

“mas esse ano teve uma tempestade de neve na minha cidade”,
“2012 foi o inverno mais frio da memória”, etc.
Só que as nevascas na sua cidade são incidentais e anedóticas,
entende? Eu mesmo não tenho opinião sobre aquecimento
global, mas ele vai ser provado ou desprovado através de
gráficos climáticos globais sobre oscilações de temperatura
ao longos dos séculos – e não pela quantidade de neve
bloqueando seu carro no inverno passado.


O assunto não é você.


Cruzes sobre a bandeira da diversidade, representando as vítimas de violência transfóbica e homofóbica.

Cruzes sobre a bandeira da diversidade, representando
as vítimas de violência transfóbica e homofóbica.

* * *

Fala-se de feminismo, e lá vem:
“essas feministas são muito histéricas, eu jamais me incomodaria
da minha chefa passar a mão na minha bunda”, “minha mãe
foi dona-de-casa a vida inteira e muito feliz”.
Mas você não é mulher, entende? As mulheres ganham menos,
sofrem mais violência doméstica, são estupradas, morrem em
abortos clandestinos – todos fenômenos com métricas
facilmente encontráveis. A discussão tem que dar através desses
números. As coisas que você-homem faria ou sentiria se
estivesse no lugar delas são irrelevantes, pois você não está e
nem nunca estará no lugar delas.



O assunto não é você.

* * *

Fala-se de homofobia, e lá vem:
“não tenho nada contra mas acho que essas paradas
gays me incomodam e só estigmatizam o movimento”,
 “minha religião diz que é pecado”, “se duas pessoas gays
 se beijarem em público, como vou explicar isso pra minha filha?”
Mas sua religião, sua opinião, seu incômodo, sua filha, isso
 tudo é irrelevante, entende? Outras pessoas-cidadãs
tem outras religiões, outras opiniões, outras filhas – e têm os
mesmos direitos que você. Se as manifestações gays te incomodam,
 resolva o problema na terapia ou no templo. 

Você não saber como explicar à sua filha um fenômeno
humano ancestral como a homossexualidade não é
justificativa para proibir alguém de viver seu amor.


O assunto não é você.



homofobia, por carlos latuff
homofobia, por carlos latuff


* * *

Os exemplos poderiam continuar ad eternum. Aborto,
transfobia, descriminalização das drogas, pobreza.
Deixe sua contribuição nos comentários.
* * *
Uma amiga leu o rascunho desse texto e perguntou:
“É lindo isso, mas como você consegue ser assim?”
E eu tive que rir: mas quando foi que eu disse ou sugeri,
em algum momento, por um segundo que fosse, que eu 
conseguia ser assim?!
Não estou me colocando acima desse comportamento.
Bom narcisista que sou, escrevi o texto não pensando
nas outras pessoas, mas em mim mesmo e na minha
própria vontade (tão vaidosa e tão narcisa) de ser a
melhor pessoa possível. Pois eu também faço tudo isso.
Escuto alguma coisa e já trago logo para mim, quero
saber como afeta a minha vida, tenho sempre uma anedota
 pessoal para contribuir.
Não estou falando de cima, como o guru que conseguiu
 praticar um comportamento ilibado, pontificando às infelizes
lá embaixo que ainda não chegaram ao seu nível de iluminação:
 pelo contrário, estou falando a partir dos subterrâneos, do
meio da multidão; estou falando justamente da briga diária
 que travo comigo mesmo, todo dia, o tempo todo.
Mas agora estou mais alerta. Tento não reincidir. Já consigo
morder a língua antes de falar besteira. Convido vocês a
tentarem fazer o mesmo. E, na próxima vez em que virem
alguém se colocando em um assunto onde não deveria estar,
deem o link desse texto.


Repitam comigo. O assunto não é você.


Ou melhor, o assunto não sou eu. 
O assunto não sou eu.






paradoxos machistas, por didi helene: http://crocomila.blogspot.com/

Fonte: Papo de Homem


Sementes Espaço Ponto de Luz de Rosana Rodrigues


Convido a participarem do GRUPO Mulheres que Correm com os Lobos :

https://www.facebook.com/groups/mulheresquecorremcomoslobos/?fref=ts

Sempre Toda Paz.

Rosana Rodrigues