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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

ENFRENTANDO A DEPRESSÃO

Enfrentando a Depressão


Bhakti-tirtha Swami

Causas fisiológicas e mentais, a noite escura da alma, a situação específica da mulher, conhecendo os inimigos da mente, a necessidade de terapeutas espiritualmente orientados, influências sutis, a gratidão e a abnegação como instrumentos de cura – uma análise holística do mal do século.


Em seu Relatório sobre a Saúde no Mundo, a Organização Mundial da Saúde relatou sobre a condição da saúde mental ao redor do globo, estimando que 450 milhões de pessoas no planeta sofrem de desordem mental ou comportamental. Ademais, a depressão é agora a principal causa de inabilidade ao redor do mundo, e, entre as dez principais causas do ônus mundial de doenças, a depressão figura em quarto lugar. A Organização Mundial da Saúde estima que, nos próximos vinte anos, a depressão atingirá a posição de segunda maior causa de doenças. Eles também relatam que um milhão de pessoas cometem suicídio ao ano, e cerca de dez e vinte milhões tentam o suicídio.

Considerando estes pontos, é muito importante a nós que somos espiritualistas compreender as doenças mentais a fim de que possamos ajudar as pessoas que sofrem com algum desses problemas. Compreendendo os efeitos dessas perturbações mentais na consciência, ampliaremos nossa efetividade. Este conhecimento é um caminho pelo qual indivíduos com um nível superior de consciência podem auxiliar em muitos ambientes e levar a consciência de Deus. O guerreiro espiritual deve proteger os saudáveis e servir os doentes. De maneira a nos equiparmos, examinaremos as doenças mentais, e especialmente a depressão, a partir de uma perspectiva psicológica, fisiológica e, é claro, espiritual.

Doenças Psicossomáticas

Doenças psicossomáticas desenvolvem-se distintamente a partir da mente, e, em certos casos, a mente de uma pessoa literalmente faz com que ela experimente uma doença ou reprima os sintomas de um tipo particular de enfermidade, até ao ponto de desenvolver paralisia. Psiconeuroimunologia é uma ciência médica e psicológica que estuda a influência da mente sobre o corpo. O que isso tem a ver com depressão? Doenças psicossomáticas ilustram o poder da mente e são importantes para nós que tentamos entender a depressão. Simplesmente por reconhecermos o processo de pensar, sentir e desejar, compreendemos como pensamentos conduzem a ações. Se repetidamente mantemos certos pensamentos em nossa mente, eles, por fim, se tornarão palavras e, em seguida, ações.



Ademais, quando uma pessoa se sente alienada ou não amada, isso afeta a mente. Mais especificamente, isso afeta os neurotransmissores, os quais, então, enviam mensagens através de todo o corpo e, consequentemente, causam um ataque às células e órgãos em nosso próprio corpo. Muitas doenças de fato se desenvolvem devido a frequentes ataques da mente sobre as células e órgãos no corpo - tamanho é o poder da mente. Em sentido contrário, quando uma pessoa se sente cuidada e amada, seu sistema imunológico físico e psíquico de fato se torna mais forte. O amor literalmente cura, protege e prolonga a vida, e a falta de amor literalmente mata.

Fatores Biológicos

Alguns tipos de doenças mentais, bem como a depressão, têm sim uma origem ou contraparte biológica. Há muitos diferentes tipos de indisposições, doenças ou problemas que podem causar uma perturbação mental. 22

A Noite Escura da Alma

A teologia cristã possui um termo chamado "a noite escura da alma", ou um período de sérios testes pelo qual passam todos os sinceros buscadores espirituais. Em certos momentos durante nosso progresso espiritual, talvez vivamos períodos de rápido avanço e crescimento embora achemos difícil perceber a situação dessa maneira positiva. Podemos chegar a um momento em nossas vidas quando começaremos a pensar: "Estou cantando, meditando, orando, jejuando, lendo as escrituras, visitando o templo, a igreja, a sinagoga ou mesquita, seguindo as leis e os princípios espirituais, mas estou infeliz! Onde está Deus?". Neste ponto, o indivíduo até mesmo começa a questionar seriamente a misericórdia e o zelo de Krishna. Semelhante pessoa pode sentir que até mesmo Deus a abandonou.

Muitas vezes caímos em um estado depressivo porque agimos da maneira correta e nosso nível de consciência se elevou, mas não conseguimos compreender as circunstâncias aparentemente negativas e desafiadoras em nossas vidas. Contudo, o Supremo permite que queimemos esse karma de modo que possamos partir para outro capítulo. Se você olhar para trás em sua vida, você talvez se lembre de momentos em que você de fato experienciou esse período e começou a questionar a existência de Deus ou Sua justiça. Porém, quando você olha para trás agora, você compreende o propósito de tais eventos em sua vida porque eles ajudaram você a ampliar ou elevar sua consciência. Frequentemente, o resultado de intenso sofrimento é a elevação da consciência. Tal sofrimento nos dá a intensidade para quebrarmos as últimas camadas de consciência mundana que nos abafam.

A Influência de Entidades Sutis

Em alguns casos, diferentes entidades sutis de fato afetam o corpo. Os pensamentos, desejos e atividades de algumas pessoas são tão degradados e baixos que convidam ou permitem que entidades muito negativas e sinistras entrem em seus corpos e influenciem-nas a se envolverem em atividades extremamente negativas. Portanto, indivíduos que não estão se tornando mais espirituais estão gradualmente perdendo parte de seu livre-arbítrio e sua expressão criativa da consciência. O bombardeio de diferentes tipos de influências e propaganda intrusiva terá um maior efeito sobre nós. Esses fenômenos em maior recorrência também podem causar doenças mentais.

Mulheres São Mais Propensas à Depressão

Mulheres comumente sofrem de depressão mais do que os homens e têm maior susceptibilidade a caírem em estados de depressão. Uma razão é que têm menor controle de seus ambientes e tendem a ser mais emotivas. Quando alguém tem problemas, por exemplo, no âmbito econômico, político, social ou religioso, isso o afetará um pouco menos se ele tiver algum controle sobre a situação. No entanto, quando uma pessoa se encontra no meio de um problema e tem simplesmente de ficar à mercê da situação, isso é muitíssimo estressante à consciência.


A Organização Mundial da Saúde relata que 20% da população feminina mundial foi física ou sexualmente abusada por um homem em algum momento de sua vida. Se uma mulher reprimiu certos aspectos de seu passado, essas memórias podem começar a vir à superfície entre os 35 e 45 anos, o que pode ocasionar perturbações na mente ou na consciência. Um homem talvez não compreenda a batalha de uma mulher durante esse período uma vez que alguns de seus problemas têm raiz em situações de abuso que viveu durante a infância.

A interpretação e aplicação equivocadas de culturas védicas e antigas é outra séria fonte de problemas que facilita a depressão. Uma cultura adepta à ideia de que o homem provê e domina em um arranjo monárquico ou autocrático pode se tornar muito destrutiva se as pessoas abusarem dessa filosofia. Em vez de cuidarem das mulheres e darem facilidades para que sejam felizes, os homens podem criar uma situação completamente oposta, que, então, acarreta vários tipos de abuso. Quando isso acontece, é claro, torna-se grande fonte de depressão para as mulheres. Em muitos casos, os homens simplesmente aceitam o arranjo como cultura e tradição, sem refletirem profundamente sobre a questão ou sentirem-se culpados.

Terapeutas Espiritualmente Orientados

Agora gostaríamos de dedicar algum espaço considerando soluções ou ao menos maneiras saudáveis de lidarmos com a depressão. Primeiramente, necessitamos de terapeutas espiritualmente inclinados, ou terapeutas que apreciem a cultura espiritual e, o mais importante, que esteja verdadeiramente seguindo essa cultura. Conquanto alguns desses desafios mentais sejam fisiológicos ou biológicos, outras perturbações mentais têm raiz na mente, o que significa que a terapia tradicional falada pode ajudar a pessoa a superá-las. Todavia, pode ser perigoso recorrer a um terapeuta que não compreenda ou aprecie a dimensão espiritual, uma vez que podem tornar a situação da pessoa ainda pior.

Quando uma pessoa santa, por exemplo, começa a falar em um espírito de humildade, o terapeuta ordinário categorizará isso como baixa autoestima e começará a tratar o problema como tal. Eles não compreendem que a humildade é parte do tesouro de uma pessoa santificada. A gratidão e a proximidade de um santo com Deus torna-o, por fim, humilde. O espiritualista aspirante talvez esteja fixo em simplicidade e renúncia, mas o terapeuta talvez veja isso como um comportamento antissocial. O santo talvez esteja buscando por castidade ou celibato, mas o terapeuta pode ver isso como uma repressão sexual doentia. A lista se alonga ilimitadamente. Por essas razões, há necessidade de existirem devotos de qualidades divinas com formação específica para servirem suas próprias comunidades e manterem o foco devocional.

Mantendo Tanto o Corpo Quanto a Alma

Algumas vezes, julgamos que podemos solucionar todos os nossos problemas simplesmente através da execução de rituais, e de fato tais práticas podem prover a ajuda essencial se as realizarmos com suficiente profundidade e suficiente pureza. Entretanto, uma vez que semelhante profundidade é muito rara, ajuda adicional é necessário para auxiliar o praticante a remover vários obstáculos. Como instituições e comunidades com valores espirituais se expandem por todo o mundo, precisamos manter o corpo e alma juntos. O santo vaishnava Srila Bhaktivinoda Thakura explica que, a fim de se desenvolver uma comunidade saudável, precisamos equilibrar as seguintes quatro necessidades: (1) Precisamos cuidar do corpo; (2) precisamos estimular de forma apropriada a mente; (3) precisamos de um senso de bem-estar social; e (4) precisamos estudar as escrituras.

Conforme embarcamos no caminho devocional e experimentamos certos tipos de desafios que acompanham as situações ordinárias, também temos de buscar por ajuda, e, se possível, buscar por aqueles na comunidade que tenham um pouco mais de entendimento das necessidades físicas e psíquicas bem como dos aspectos espirituais.

Os Inimigos da Mente

Imagine uma situação em que seis inimigos constantemente rodeiam sua pessoa e incessantemente aguardam pela oportunidade de atacar tão logo você abaixe sua guarda. Os seis inimigos são a luxúria, a ira, a ganância, a desorientação, a intoxicação e a inveja. Essas são algumas das maneiras pelas quais a depressão, a ansiedade, a melancolia e a frustração afetam a mente. Tão logo você se torna apático, eles se aproximarão rapidamente. Contudo, podemos tentar fortalecer o suficiente nossos pontos fracos se sabemos que maya nos atacará nessas zonas frágeis. Se soubermos o esconderijo do inimigo, podemos nos manter distantes em vez de permanecermos em uma posição insegura ou permitindo que o inimigo constantemente ataque em emboscada.

Muitos desarranjos mentais lidam com a estrutura mental de hedonismo, porque, quando o hedonismo fracassa, ele se torna ira, que, por sua vez, se torna grande ilusão ou desorientação. Também podemos compreender a depressão como a ira voltada para si mesmo. A inveja também cria um desequilíbrio dentro de nós. Devemos ser param-duhkha-duhkhi-kripam-buddhi, que significa que devemos ter empatia pela miséria alheia e pela felicidade alheia. Devemos sentir felicidade por outra pessoa quando vemos algo positivo acontecer em sua vida. Com efeito, devemos sentir a mesma felicidade por ela que sentiríamos por nós mesmo naquela mesma situação. Esse tipo de estrutura mental pode ajudar a prevenir contra depressão e desequilíbrio mental. Se aprendermos como tirar essas ervas daninhas na forma de tendências negativas, descobriremos que sua ausência traz soluções maravilhosas.

Desistindo do Egoísmo

Se nos encontramos em um estado de depressão, também podemos examinar nosso nível de autocentramento. Existem duas maneiras de tentar ser Deus. Tentamos ser Deus quando nos vemos como superiores e como a pessoa mais importante. Também tentamos ser Deus quando nos colocamos no centro julgando que somos as pessoas mais inferiores e desafortunadas. Outras vezes, pessoas tentam ser Deus considerando que tudo gira em torno de seus problemas. Se você perguntar a elas como estão, a resposta será: "Que bom que perguntou! Estou com dor de cabeça, dor de estômago e dor na perna. Preciso de um aumento e meu filho me causa muitos problemas". Se nos concentrarmos excessivamente em nossos problemas, isso dará forças a eles em vez de eliminá-los. Por outro lado, se tentarmos ajudar outros ou tentarmos ir além de nossa própria situação imediata, veremos que Krishna nos dará a ajuda que precisamos e até mesmo nos livrará de nossos problemas particulares. Depressão indica que estamos excessivamente centrados em nossos próprios problemas e retirando nosso amor dos outros.

A Fé É o Mais Importante

Não teremos a habilidade para perseverar sem fé, mas não podemos fingir termos fé. Quando certos aspectos da vida de uma pessoa não vão bem, sua fé de fato enfraquece. Nossa fé é relativa ao que aconteceu no passado, o que está acontecendo no presente e, mais diretamente, com o que esperamos do futuro. Se nosso passado foi duro e nosso presente é incoerente, nossa fé no futuro será fraca. Porém, se vemos eventos positivos ao redor de nós, os quais nos fazem nos sentirmos bem, teremos fé forte. São raros os sujeitos que conseguem manter uma fé forte apesar de terem um passado difícil e um presente empedernido. Em nossas comunidades, queremos criar um ambiente que nos energizará e ajudará a ampliarmos a nossa fé.

Gratidão como um Estilo de Vida

Algumas vezes, nossos desafios mentais se estagnam muito gravemente porque não vamos em frente. Não apreciamos o passado, mas quanto mais temos gratidão, mais criamos auspiciosidade para o futuro. Algumas vezes, a Suprema Personalidade de Deus nos dá e, outras vezes, nos tira. Como devotos, queremos ter uma estrutura mental tão grandiosa que, quando Deus nos dê muitas riquezas, digamos obrigado, e quando Deus leve nossa riquezas e nos deixe em um estado de empobrecimento, agradeçamos por nos ter protegido do falso orgulho. Agradecemos a Ele por qualquer situação que nos permita manter uma vida simples.

Se pudermos simplesmente desenvolver essa consciência e constantemente agradecer o Supremo em qualquer situação, podemos aprender e crescer em qualquer circunstância. Tornaremos as situações auspiciosas mais auspiciosas e tornaremos auspiciosas quaisquer situações inauspiciosas. Elas se tornarão experiências de aprendizado, e, quando as honrarmos com gratidão, Krishna naturalmente fará arranjos a nosso favor.

Conclusão

A mente é nossa maior inimiga, mas podemos torná-la nossa melhor amiga. Isso depende de gratidão. Reveses acontecem em instituições, famílias e conosco individualmente, mas queremos evitar ficarmos excessivamente depressivos, desencorajados e desapontados. Devemos tentar agradecer a Deus e tentar aprender com nossas circunstâncias. Esperamos que Deus faça mais do que poderíamos fazer por nós mesmos. Isso significa que precisamos de fé estável e perseverança. Todos nós podemos nos encorajar primeiramente tentando ter essa fé, a qual, então, transbordará e ajudará outros. Deste modo, todos nós herdaremos o Reino de Deus.


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Fonte: De Volta para o Supremo


ESPACO PONTO DE LUZ ROSANA RODRIGUES


Terapeuta Practitioner Florais de Bach do Bach Centre
Registro PIN/BZP 2000-0124 R
rosana.om@terra.com.br / Skype rosana.om
Fones: 19 3482-4028 / 11 20992099
https://www.facebook.com/rosanarodriguesespacopontodeluz

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Morte e Renascimento no Hinduísmo - Krishnas

Morte e Renascimento no Hinduísmo


Loka-sakshi Dasa






A alma imortal, seus corpos, o fenômeno da morte, os destinos da alma, os sacramentos e cerimoniais aos mortos.

asato ma sad gamaya
tamaso ma jyotir gamaya
mrityor ma ‘mritam gamaya

“Do irreal, conduz-me ao real. Das trevas, conduz-me à luz. Da morte, conduz-me à imortalidade”. (Brihadaranyaka Upanishad 1.3.28)

Esta prece dos Vedas proclama o desejo humano de viver plenamente o real, de ter a consciência iluminada e de sobreviver eternamente, conquistando a morte. Certa ocasião, Yudhisthira Maharaja, um grande rei sábio, foi questionado por Yama, a personificação da morte, com a seguinte pergunta: “O que há de mais maravi­lhoso neste mundo?” Yudhisthira respondeu pronta­mente:

ahany ahani bhutani gacchantiha yamalayam
esha sthavaram icchanti kim acaryam atah para

“Todos os dias, centenas e milhões de entidades vivas entram no reino da morte. Mesmo assim, as que ficam as­piram por uma situação permanente. O que poderia ser mais maravilhoso do que isso?” (Mahabharata, Vana-parva 313.116)

Na milenar tradição védica, esse inconformismo com a morte sempre foi visto como uma indicação da eternidade da alma. Em nosso inconsciente, não podemos aceitar a morte, pois intuímos o fato da nossa imortalidade. Nin­guém aceita facilmente a realidade da morte, porque o que morre de fato é o corpo temporário e não a alma eterna.

Eventualmente, porém, todos temos de confrontar a morte. Para os seguidores da tradição védica, isso não é algo para ser temido. Sabemos que já nascemos e morremos várias vezes. O karma e a transmigração da alma fazem o inevitável parecer algo natural, pois morrer é como adormecer, e nascer é como despertar do sono – algo muito simples.

As escrituras védicas declaram que a alma é imortal: ajo nityah shashvato’ yam, “a alma é não-nascida, eterna e sempre existente”. (Bhagavad-gita 2.20) Ainda assim, sofremos, pois esse é o preço do apego ao corpo material e a tudo o que é impermanente. Com conhecimento, deve-se questionar, discriminar e encontrar a compreensão que torne a morte aceitável. Assim, a morte consciente, como uma elevada e poderosa experiência pessoal, pode dar sentido à vida e levar ao autoconhecimento.

O Ser Eterno e a Morte do Corpo

Segundo A.C. Bhaktivedanda Swami Prabhupada, compreender nossa identidade como algo à parte do corpo é o primeiro passo na autorrealização. Compreender que “eu não sou este corpo, mas, sim, uma alma espiritual” é um entendimento essencial para qualquer pessoa que deseja transcender a morte e entrar no mundo espiritual, que está mais além.





Compreender nossa identidade como algo à parte do corpo é o primeiro passo na autorrealização.

Essa é a preocupação de praticamente todos os místicos, seja no Ocidente, seja no Oriente. Por exemplo, Sri Ramana Maharshi, quando ainda adolescente, foi tomado pelo pensamento de sua morte iminente – o medo existencial do não-ser. Em vez de ser dominado pelo medo da morte, ele aceitou a possibilidade da morte e começou a indagar sobre o mistério da vida, utilizando o método muito simples chamado atma-vicharana, autoindagação ou indagação pelo atma (o Si-mesmo), que consistia em fazer para si mesmo uma única e constante pergunta: ko’ ham, ”quem sou eu?”.

Contudo, embora se possa compreender teoricamente que não somos estes corpos, mas o si-mesmo, que é consciente do corpo, ainda assim todos se identificam com a vestimenta corpórea. A tradição védica busca, portanto, na experiência prática, estruturar a vida da pessoa, por meio de vários caminhos (margas), para que ela possa experienciar a sua posição constitucional como alma espiritual (atma).

No Oriente, entretanto, há outras opiniões sobre a natureza da alma. No budismo, por exemplo, não existe a crença em uma entidade permanente, em uma alma, ou atma, que seria o sujeito da morte e do renascimento. Isso tem sido tema de debates intensos, pois o budismo sustenta a doutrina do anatta ou anatmavada, a “não-alma”.




No budismo, diferente da cultura védica, não existe a crença em uma entidade permanente.

Diferentemente dos seguidores da cultura védica, que acreditam no “ser”, na “condição de isto” (tat-tva), os budistas acreditam no “tornar-se”, na “condição de assim” (tatha-ta). Dessa forma, no budismo, não há ator além da ação, nem perceptor além da percepção. Em outras palavras, não há um sujeito consciente por detrás da consciência. Isso, em resumo, leva ao conceito de ação (karma) sem ator (karta). Então, em última instância, não pode haver transmigração ou renascimento da alma, mas apenas um processo de transformação perpétua dos agregados (skandhas), compostos da forma, percepção, consciência, ação e conhecimento, que manifestam os sintomas do que conhecemos por vida.

No conhecimento védico, em contraste, a vida não é vista como mero sintoma de condições que a torna possível, mas, sim, como decorrente da presença da própria alma espiritual. Para os seguidores da sabedoria védica, acreditar no karma sem aceitar os conceitos da alma individual (jivatma) e seu renascimento (punar-janma) é algo desconcertante.

Sri Krishna estabelece na Bhagavad-gita, inequivocamente, a imortalidade da alma quando declara, para Seu amigo e discípulo Arjuna, como segue:

na tu evaham jatu nasam na tvam neme janadhipah
na caiva na bhavishyamah sarve vayam atah param

“Nunca houve um tempo em que Eu não existisse, nem tu, nem todos estes reis, e, no futuro, nenhum de nós deixará de existir”. (Bhagavad-gita 2.12)

avinashi tu tad viddhi yena sarvam idam tatam
vinasham avyayasyasya na ka cit kartum arhati

“Deves saber que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível”. (Bhagavad-gita 2.17)

Não é possível entender os conceitos da morte e do renascimento no hinduísmo sem saber a diferença entre a alma permanente (atma) e o corpo material temporário. A Bhagavad-gita explica a natureza da alma com a seguinte ana­logia:

yatha praka ayaty ekah kritsnam lokam imam ravih
kshetram kshetri tatha kritsnam prakashayati bharata

“Assim como o Sol ilumina sozinho todo este mundo, a entidade viva, sozinha dentro do corpo, ilumina o corpo inteiro através da consciência”. (Bhagavad-gita 13.34)





Sri Krishna estabelece na Bhagavad-gita, inequivocamente, a imortalidade da alma.

A consciência evidencia concretamente a presença da alma dentro do corpo. Em um dia nublado, o Sol pode não estar visível, mas sabemos que ele está presente no céu, através da presença da luz solar. Analoga­mente, pode­mos não ser capazes de perceber diretamente a alma, mas podemos concluir que ela existe pela presença da consciência. Na ausência da consciência, o corpo é simplesmente um monte de matéria morta. Somen­te a pre­sença da consciência faz com que esse monte de matéria morta possa respirar, falar, amar e temer.

Es­senci­almente, o corpo é um veículo para a alma, por meio do qual ela pode satisfazer seus desejos. A alma dentro do corpo está “sentada em uma máquina feita de energia material [yantrarudhani mayaya]”. (Bhagavad-gita 18.61) Ela se identi­fica falsamente com o corpo, transportando suas diferentes con­cepções da vida, de um corpo para outro, assim como o ar transporta os aromas. Do mesmo modo que um automóvel não pode funcionar sem um motorista, o corpo material não pode funcionar sem a presença da alma.

Bhagavad-gita explica claramente a diferença entre o que é real e o que é irreal, nasato vidyate bhavona bhavo vidyate satah: ”Não há continuidade para o inexistente, nem cessação para o exis­ten­te”. (Bhagavad-gita 2.16)

O corpo material vem a existir em certo momento, cresce, amadurece, gera subprodutos (filhos) e gra­dualmente degenera e morre. O corpo físico, neste sentido, é irreal, pois ele desaparecerá no devido tempo. No entanto, apesar de todas as mudanças do corpo material, a consciência, o sintoma da alma que está dentro, perma­nece imutável. Conclui-se, portanto, que a consciência possui a qualidade inata de permanência, que lhe permite sobreviver às mudanças e à destruição do corpo. Sri Krishna afirma, na jayate mriyate va kadacin na hanyate hanyamane sharire: ”Para a alma, nunca há nascimento nem morte. Ela não é ani­quilada quando o corpo é aniquila­do”. (Bhagavad-gita 2.20)

Entretanto, se a alma “não é aniquilada quando o corpo é aniquilado”, o que acontece com ela? Segundo a Bhagavad-gita, ela entra em outro corpo:

dehino‘ smin yatha dehe kaumaram yauvanam jara
tatha dehantara-praptir dhiras tatra na muhyati

“Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à ve­lhice; chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica con­fusa com essa mudança”. (Bhagavad-gita 2.13)

vasamsi jirnani yatha vihaya navani grihnati naro‘ parani
tatha sharirani vihaya jirnany anyani samyati navanidehi

“Da mesma forma que alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materi­ais, aban­donando os velhos e inúteis”. (Bhagavad-gita 2.22)





Diferentes corpos são como diferentes vestes para a alma.

Dessa forma, a alma permanece enredada no samsara, o ciclo interminável de nascimentos e mortes, pois jatasya hi dhruvo mrityurdhruvam janma-mritasya ca: ”Para aquele que nasceu, a morte é certa, e, para aquele que morreu, o nascimento é certo”. (Bhagavad-gita 2.27)

As entidades vivas nascem perpetuamente em várias espécies de vida, de acordo com a natureza de seus desejos, pois, segundo a Bhagavad-gita:

yam yam vapi smaram bhavam tyajaty ante kalevaram
tam tam evaiti kaunteya sada tad-bhava-bhavitah

“Qualquer que seja o estado de existência de que alguém se lembre ao deixar o corpo, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente”. (Bhagavad-gita 8.6)

Tudo o que pensamos e fazemos durante nossa vida deixa uma impressão (vrittis) na mente, e a soma total de todas essas impressões (samskaras) influencia nossos pensamentos finais na hora da morte.





A soma das impressões em nossa mente na hora da morte determina nosso próximo nascimento.

Essas influências são causadas pelos gunas, ”cordas”, ou “modos da natureza material”. Eles são as três qualidades básicas constitutivas da natureza material, assim como a luz branca constitui-se de três cores básicas. Os gunas são: rajas, caracterizado por paixão, atividade ou expansão; tamas, que se caracteriza por ignorância, inação ou escuridão; e sattva, identificado por bondade, harmonia ou luz. Sattva conduz para cima, rajas mantém no meio, tamas leva para baixo.

Bhagavad-gita esclarece que essas qualidades da natureza material funcionam sob o controle divino e prendem as almas neste mundo, daivi hy esha guna-mayi mama maya duratyaya: “Esta energia divina, que consiste nos três modos da natureza (gunas), é difícil de ser superada”. (Bhagavad-gita 7.14) Sua influência sobre as almas encarnadas é total:

sattvam rajas tama iti gunah prakriti-sambhavah
nibadhnanti maha-baho dehe dehinam avyayam

“A natureza material consiste de três modos – bondade (sattva), paixão (rajas) e ignorância (tamas). Ao entrar em contato com a natureza, ó Arjuna de braços poderosos, a entidade viva eterna condiciona-se a esses modos”. (Bhagavad-gita 14.5)

Consequentemente, de acordo com a qualidade de nossos pensamentos na hora da morte, recebemos da natureza material um corpo adequado. A Bhagavad-gita explica como a influência dos gunas na consciência, e o apego a eles, determinam a natureza do nascimento da pessoa:

yada sattve pravriddhe tu pralayam yati deha-bhrit
tadottama-vidam lokan amalan pratipadyate

“Quando alguém morre no modo da bondade (sattva), atinge os mundos superiores e puros, onde residem os grandes sábios”. (Bhagavad-gita 14.14)

rajasi pralayam gatva karma-saṅgishu jayate
tatha pralinas tamasi mudha-yonishu jayate

“Quando alguém morre no modo da paixão (rajas), nasce entre os que se ocupam em atividades fruitivas. E quando morre no modo da ignorância (tamas), nasce no reino animal”. (Bhagavad-gita 14.15)

purushah prakriti-stho hi bhunkte prakriti-jan gunan
karanam guna-sango’ sya sad-asad-yoni-janmasu

“Dessa forma, a entidade viva dentro da natureza material segue os caminhos da vida, desfrutando os três modos da natureza. Isso decorre de sua associação com essa natureza material. Assim, ela se encontra com o bem e o mal, entre as várias espécies de vida”. (Bhagavad-gita 13.22)

O tipo de corpo que alguém possui agora é a expressão tanto da influência causada pelos gunas na consciência, quanto do mérito acumulado das ações (karma) em vidas passadas. Esse karma é definido como, bhuta-bhavodbhava-karo visargah karma-samjñitah: “Karma é a ação que desencadeia o desenvolvimento dos corpos materiais das entidades vivas”. (Bhagavad-gita 8.4)

Assim, a Bhagavad-gita explica que:

shrotram cakshuh sparshanam ca rasanam ghranameva ca
adhishthaya mana cayam vishayan upasavate

“A entidade viva, aceitando esse outro corpo grosseiro, obtém um certo tipo de ouvido, olho, língua, nariz e sentido do tato, que se agrupam ao redor da mente. Ela, então, desfruta de um conjunto específico de objetos dos sentidos”. (Bhagavad-gita 15.9)

Portanto, segundo o hinduísmo tradicional, o caminho da reencarnação nem sempre leva para o alto; o ser hu­mano não tem garantia de um nascimento humano em sua próxima vida. Por exemplo, se alguém morre com mentali­dade de um cachorro, então, em sua próxima vida, receberá os olhos, ouvidos, nariz etc. de um cachor­ro, para que ele desfrute de prazeres caninos. Krishna confirma tal destino dizendo, tatha pralinas tamasi mudha-yonishu jayate: “Quando morre no modo da ignorância, nasce em corpo irracional, como de um animal”. (Bhagavad-gita 14.15)






Se uma alma desperdiça sua vida humana, pode vir em nascimentos animais posteriormente.

Na Bhagavad-gita, encontramos que os seres humanos que não indagam sobre sua natureza metafísica, supe­rior, são compelidos pela lei do karma a continuar o ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos, apare­cendo ora como humanos, ora como animais ou plantas. Nossa existência no mundo material deve-se às múltiplas reações cármicas desta vida e das anteriores, e o corpo humano fornece o instrumento através do qual a alma pode escapar. Por utilizar apropriadamente a forma humana de vida, procuram-se resolver todos os problemas da vida (nascimento, velhice e morte) e quebrar o ciclo interminável de reencarnações. Essa seria a missão da vida humana, athato brahma-jijñasa: ”Questionar sobre a Verdade Absoluta”. (Vedanta-sutra 1.1.1) 

Se, entretanto, uma alma, tendo se desenvolvido até a plataforma humana, desperdiça sua vida ocupando-se unicamente em atividades para o pra­zer dos sentidos, ela pode facilmente criar karma suficiente nesta vida atual para manter-se enredada no ciclo de nascimentos e mortes, por muitas vidas. E há o perigo de talvez nem todas elas serem humanas.

Os Corpos ou Coberturas da Alma

Na tradição védica, identificam-se os corpos materiais da alma com os koshas, termo em sânscrito que significa “invólucro, cobertura, bainha, vaso ou recipiente”. O conceito dos “cinco invólucros” (pañca-kosha) constitui um paradigma quântico que vê a alma condicionada e acondicionada em um organismo psicofísico multidimensional. Isso pode ser encontrado nos textos das Upanishads (Taittiriya Upanishad 2.2-5, 3.10.5; Sarvarara Upanishad 2; Tejobindu Upanishad 4.75)

Esses invólucros (kosha) são roupagens que revestem a alma quando ela está condicionada neste mundo material. A Bhagavad-gita explica que a identidade da alma é ser eternamente parte integrante fragmentária da Divindade:

mamaivamsho jiva-loke jiva-bhutah sanatanah
manah-shashthanindriyani prakriti-sthani karshati

“As almas condicionadas neste mundo são Minhas eternas partes fragmentárias. Por força da vida condicionada, elas empreendem árdua luta com os seis sentidos, entre os quais se inclui a mente”. (Bhagavad-gita 15.7)

Assim como o corpo físico permite que ela viva na dimensão física, os invólucros ou corpos sutis permitem que ela possa viver simultaneamente em vá­rios planos de existência, como nos sonhos, transes, desdobramentos e regressões psíquicas, e, depois da morte, viver nas dimensões ou mundos sutis.





Além do corpo grosseiro, a alma tem um corpo sutil enquanto está neste mundo.


Os koshas, em ordem de maior sutileza, são: (1) anna-maya kosha, ”invólucro feito de ali­mento”, que é o corpo físico, também chamado de sthula-sharira ”corpo denso”; (2) prana-maya kosha, “invólucro feito de prana, energia vital”, que é o corpo vital, o qual é etéreo e co-existe com o corpo físico, como sua fonte de energia e vitalidade, e faz a conexão com os invólucros mais sutis e aloja os sentidos; (3) mano-maya kosha, ”invólucro feito de mente”, que é o corpo emocional ou o sentido interno, onde se processam as emoções, sentimentos, pensamentos e desejos; (4) vijñana-maya kosha, “invólucro feito de sabedoria”, que é o corpo intelectual, onde reside a memória, a discriminação, a criatividade, a compreensão e a intuição; e (5) ananda-maya kosha, “invólucro feito de bem-aventurança”, que é o corpo causal, onde pode ser realizada a identidade e individualidade da alma, o local da consciência pura ou transpessoal.

O termo “corpo sutil” geralmente indica os invólucros que constituem o corpo sutil, não-físico, da alma, chamado em sânscrito de sukshma-sharira, e inclui os seguintes invólucros: prana-maya kosha, mano-maya kosha e o vijñana-maya kosha. Ele permite que a alma atue na dimensão astral, ou plano astral.

Na hora da morte, envolvida pelos invólucros (koshas) energético (prana-maya), emocional (mano-maya), intelectual (vijñana-maya) e causal (ananda-maya) do corpo sutil, a alma deixa o seu invólucro físico (anna-maya).

O Fenômeno da Morte

Na tradição védica, descreve-se a morte como maha-prasthana, “a grande partida”. É uma experiência muito intensa e determinada pela qualidade da vida da pessoa. Há quem tenha visões, que variam da experiência de encontrar-se com seres assustadores – descritos como yamadutas, “mensageiros da morte”, que arrancam à força a alma apegada ao corpo –, à experiência de ser conduzido harmoniosamente por um túnel de luz, em cujo fim há seres divinos. Sujeitos que tiveram experiências de quase-morte nos dão testemunho desses encontros transformadores.




Experiências de quase morte evidenciam as descrições das escrituras.

Uma senhora que “morreu” durante um trabalho de parto, mas foi revivida imediatamente por proce­dimentos médicos, descreveu: “Era muita energia – uma luz incrível. Eu praticamente flutuava nela. Minha consciência foi tomada por sentimentos de amor incondicional, de segurança completa, de perfeição total. Então, sentia que era imortal, que era quase in­destrutível. Não podia mais ser ferida, nem me perder. O mundo me parecia perfeito”.

Centenas de pessoas falam de experiências similares, confirmando o que as tra­dições do Oriente sempre descreveram – que a morte pode ser uma transição bem-aventurada, iluminada, de um estado para outro, tão simples e natural como a troca de roupas. Algo completamente diferente das alternativas mórbidas e infernais que geram tanto medo e insegurança nas pessoas.

A morte é uma série de mudanças pelas quais todos passam, e a separação da alma do seu corpo físico torna-se o ponto inicial da jornada para uma vida nova. A morte não é o fim da personalidade e da autoconsciência; ela meramente abre a porta para outra forma de vida. A morte, quando experimentada de forma consciente, pode tornar-se o portal para a plenitude da vida.

Nascimento e morte são meros ardis de maya, o aspecto ilusório da energia material. Na realidade, vida é morte, e morte é vida. Quem nasceu já começou a morrer, e quem morreu já começou a viver. Isso é o que afirmam as escrituras védicas, jatasya hi dhruvo mrityur dhruvam janma mritasya ca: “Certa é a morte do que nasce, e certo é o nascimento do que morre”. (Bhagavad-gita 2.27)

Quando, por algum motivo, a alma (jivatma ou jiva) tem de abandonar definitivamente o corpo físico (anna-maya-kosha), os canais (nadis) onde circulam os ares vitais (pranas) perdem o vigor e ficam incapacitados de expandir-se e contrair-se para exalar e inalar o ar. Assim, o corpo perde sua harmonia e fica agitado. Então, o ar inalado não sai adequadamente, nem o ar exalado entra novamente no corpo. Assim, a respiração cessa. E, com a parada da respiração, surge a inconsciência, e considera-se, então, que ocorreu a morte.

Nesse momento, todos os desejos e ideias se retraem, pois o jiva carrega dentro de seu corpo sutil (sukshma-sharira) todos os seus vasanas, que são os desejos ou impressões mentais do passado. Com a morte do corpo físico, os pranas, que carregam as coberturas mais sutis – e, dentro delas, a própria alma – saem do corpo e vagam pelo ar.

Considera-se que a atmosfera está saturada de uma enormidade de pranas que levam dentro de si os jivas, que, por outro lado, comportam potencialmente dentro delas todas as suas experiências de vida. Naquele momento, o si-mesmo, ou alma individual, com todos os vasanas dentro de si, passa a ser denominada de preta, “quem foi para o outro mundo”.

Nas Upanishads e na Bhagavad-gita, encontramos mais detalhes de como a alma muda de corpos:

tam utkramantam prano’nutkramati pranamanutkramantam sarve prana anutkramanti, sa-vijñano bhavati sa-vijñanamevanvavakramati, tam vidya-karmani samanvarabhete purva-prajña ca

“Quando a alma parte do corpo, o ar vital a segue; e quando o ar vital parte, é acompanhado de todos os sentidos. Então, a alma adquire um tipo específico de consci­ência e passa ao corpo adequado a essa consciência. Ela é seguida pelo conhecimento, karma e impressões latentes passadas”. (Brihadaranyaka Upanishad 4.4.2)

tad yatha trina-jalayuka trinasyantam gatva anyam akramamakramya atmanam upasamharati, evam evayam atma idam shariram nihatya avidyam gamayitva anyam akramam akramya atmanam upasamharati

“Assim como uma lagarta na grama, chegando ao fim da folha, retrai-se e busca outro suporte; este atma, deixando o corpo atual, que fica inconsciente, retrai-se e aceita um novo corpo”. (Brihadaranyaka Upanishad 4.4.3)

vasamsi jirnani yatha vihaya navani grihnati naro ’parani
tatha sharirani vihaya jirnany anyani samyati navanidehi

“Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis”. (Bhagavad-gita 2.22)

tad yatha peshas-kari peshaso matram upadayanyannavataram kalyanataram rupam tanutei, evam evayam atma idam shariramnihatya avidyam gamayitva anyam navataram rupam kurute pitryam va gandharvam vadaivam va prajapatyam va brahmam va anyesham va bhutanam

“Assim como um artesão, pegando um pouco de ouro, molda outra forma – mais nova e melhor –, este atma, deixando o corpo atual, que fica inconsciente, cria outra forma – mais nova e melhor –, como a dos manes (pitris), cantores celestiais (gandharvas), deuses (devas), prajapatis e Brahma”. (Brihadaranyaka Upanishad 4.4.4)

yatha-kari yatha-cari tatha bhavati, sadhu-kari sadhur bhavati, papa-kari papo bhavati, apunyah punyena karmana bhavati papah papena

“Como faz e age, assim a pessoa se torna. Fazendo o bem, ela se torna boa, e fazendo o mal, ela se torna má; torna-se virtuosa por ações virtuosas e torna-se viciosa por ações viciosas”. (Brihadaranyaka Upanishad 4.4.5)

Os Destinos da Alma

Depois da morte, segundo a natureza de sua consciência e o mérito cármico de suas atividades passadas, a pessoa toma rumos diversos. A Bhagavad-gita descreve dois caminhos principais: devayana e pitriyana. O primeiro deles, chamado de devayana, é o caminho dos deuses, que é trilhado por almas espiritualmente avançadas. Essas levaram uma vida extremamente pura, devotando-se integralmente à meditação no Absoluto (brahman), mas, apesar de possuírem conhecimento espiritual, não conseguiram obter autorrealização plena (jiva-mukti) antes da morte. Elas, então, são conduzidas para Brahmaloka, o sistema planetário mais elevado do universo material, e, de lá, no devido tempo, obtêm a libertação. Esse caminho é o caminho que não tem volta e é descrito na Chandogya Upanishad:

tad ya ittham viduh ye ceme ’ranye sraddha tapaity upasate te ’rcisham abhisambhavanty arcisho ’harahna aparyamanapakshamapuryamanapakshad yan shad udann eti masams tan

“Então, aqueles que estão em conhecimento e aqueles que, vivendo na floresta, seguem uma vida de fé e austeridades vão para a luz, da luz para o dia, do dia para a quinzena clara, da quinzena clara para os seis meses em que o Sol está ao norte”. (Chandogya Upanishad 5.10.1)

samebhyah samvatsaram samvatsarad adityam adityaccandramasam candramaso vidyutam tat purusho ’manavah sa enan brahma gamayatiesha devayanah pantha iti

“Dos meses, eles vão para o ano, do ano para o Sol, do Sol para a Lua, e da Lua para o relâmpago. Lá, uma pessoa não humana conduz a alma para o Brahman. Esse é o caminho dos deuses”. (Chandogya Upanishad 5.10.2)

O segundo, conhecido como pitriyana, é o caminho dos antepassados, que é seguido pelas almas que, seguindo os rituais prescritos nas escrituras, foram muito caridosas e piedosas, cultivaram desejo pelo resultado de suas caridades, austeridade, votos e adoração. Seguindo esse caminho, elas são conduzidas para Chandraloka, a região lunar, onde podem desfrutar de imensa felicidade como recompensa por suas ações virtuosas. Entretanto, quando o saldo cármico se exaure, elas têm de voltar para a Terra, visto ainda terem desejos terrenos. Descreve-se esse caminho também na Chandogya Upanishad:

atha ya ime grama ishtapurte dattam ity upasate tedhumam abhisambhavanti dhumad ratrim ratrer aparapaksha aparapakshad yan shaddakshinaiti masams tan naite samvatsaram abhiprapnuvanti

“Por outro lado, aqueles que vivem em vilas, praticando sacrifícios e trabalhos de utilidade pública e de caridade, vão para a fumaça (dhuma), da fumaça para a noite (ratri), da noite para a quinzena escura, da quinzena escura para os seis meses em que o Sol está ao sul. De lá, eles não alcançam o ano”. (Chandogya Upanishad, 5.10.3)

masebhyah pitrilokam pitrilokad akasham akashaccandramasam

“Dos meses, eles vão para o mundo dos antepassados, do mundo dos antepassados, para o espaço, do espaço para a Lua”. (Chandogya Upanishad 5.10.4)

tasmin yavat sampatam ushitvathaitam evadhvanampunar nivartante

“Residindo ali até esgotar o resultado de suas ações, voltam pelo mesmo caminho por onde vieram”. (Chandogya Upanishad 5.10.5)




Alma de um yogi deixa o corpo e procede para a Lua, de onde terá que voltar.

Além desses dois caminhos, há um terceiro caminho, que conduz ao inferno, trilhado por almas que levaram uma vida impura e pecaminosa, com consciên­cia degradada, e que executaram atividades proibidas pelas escrituras.

Depois de alcançarem umbrais ou dimensões infernais, elas renascem em espé­cies inferiores, muitas vezes animais e vegetais, para sofrerem e satisfazerem seus de­sejos inferiores. Isso é explicado na mesma Upanishadatha ya iha kapuya-carana abhyashoha yat te kapuyam yonim apadyeran shva-yonim va sukara-yonim va candala-yonimva: “Mas aqueles cujo resíduo cármico é mau, logo nascem em ventres inferiores, como o de um cachorro, porco ou pária”. (Chandogya Upanishad 5.10.7) Em todo caso, depois da expiação de suas atividades pecaminosas, renascem em corpos humanos.

Os místicos yogis ou bhaktas que alcançaram a perfeição espiritual e se libertaram ainda em vida (ji­van-muktas) não são conduzidos por nenhum desses caminhos, mas, de acordo com a natureza de sua libertação – se ela é impessoal ou pessoal –, obtêm o destino su­premo (param gati), fundem-se na existência imanifesta do Absoluto (param jyoti) ou são resgatados pessoalmente pela Personalidade da Divindade (Bhagavan), que os abriga em Sua morada espiritual (param dhama).

Compara-se o morrer com o dormir, e as experiências do pós-morte, com os so­nhos. Assim como os pensamentos e ações acontecidos no estado de vigília determinam a natureza dos sonhos; depois da morte, a alma experimenta o resultado dos pensamentos acalentados e das ações executadas durante sua vida na Terra. As expe­riências do pós-morte são reais para a alma, assim como um sonho é real para o sonha­dor, e ninguém pode determinar a sua duração.

Segundo as escrituras védicas, algumas almas renascem como seres humanos logo depois da morte, sem passar pela experiência do paraíso ou inferno. A questão de renascimento da alma em formas inferiores à humana, apesar de ser considerada um lapso, não constitui um retrocesso na evolução espiritual da alma para o autoconheci­mento ou amor místico. O que deve ser compreendido é que a próxima vida é determi­nada pela consciência da pessoa na vida presente, que, por sua vez, determinaria o último pensa­mento da pessoa na hora da morte. O último pensamento do moribundo inevitavelmente reflete seu desejo mais íntimo. A Bhagavad-gita afirma, yam vapi smaram bhavam tyajaty antekalevaram, tam evaiti kaunteya sada tad-bhava bhavitah: “Qualquer que seja o estado de existência do qual alguém se lembre ao deixar o corpo, ó filho de Kunti, esse mesmo estado ele alcançará impreterivelmente”. (Bhagavad-gita 8.6) 

Krishna também descreve a posição daqueles que adotam bhakti, o caminho da devoção pura, e dependência à Personalidade da Divindade, naiti sriti partha janan yogi muhyati kashcanatasmat sarveshu kaleshu yoga-yukto bhavarjuna: “Os devotos que conhecem estes dois caminhos [devayana e pitriyana], ó Arjuna, nunca se confundem. Portanto, mantém-te sempre fixo na devoção”. (Bhagavad-gita 2.27) Na posição da Suprema Personalidade da Divindade, Krishna também afirma, ananya-cetah satatam yo mam smarati nityashah, tasyaham sulabhahpartha nitya-yuktasya yoginah: ”Ó filho de Pritha, aquele que se lembra de Mim sem desvios, Me alcança facilmente, por causa de sua ocupação constante”. (Bhagavad-gita 8.14)

Conceitos Hindus do Pós-morte

As Upanishads falam da essência imutável e consciente de todos os seres, plurais ou singulares, como a “alma” ou o “si-mesmo”. Isso, em sânscrito, recebe o nome de atma (ou atman) Essa alma seria o “ser interior consciente” dentro de cada um de nós, identificada ontologicamente (quando a sua natureza de “ser” ou “existir”) como Brahman. O Brahman seria o Ser absoluto e supremo, a Divindade em Seu aspecto unitário, além de todas as particularidades. Contudo, quando essa mesma Divindade su­prema, identificada ontologicamente com o Brahman, é observada do ponto de vista da consciência (psicologicamente), é descrita como o Atma Supremo. Por isso, as Upanishads descrevem a unidade dos dois, pois se tratam de dois aspectos da mesma realidade, sa va ayam atma brahma: “Este Atma é, na verdade, o Brahman”. (Brihadaranyaka Upanishad 4.4.5)

Do ponto de vista do Absoluto, Atma é o próprio Paramatma, o Si-mesmo Supremo, a Superalma, a Divindade em Sua onipresença e onisciência. No entanto, quando observado da perspectiva relativa e individual, da pluralidade dos seres ou centelhas espirituais, atma é jivatma, a alma ou entidade viva consciente individual. A alma individual (jivatma) seria igual à Divindade quanto ao “ser” (sat), mas seria dife­rente quanto à “consciência” (cit).

Nas Upanishads, mostram-se as diferenças entre dois tipos de almas – ambas eternas, mas uma Absoluta, e outras relativas; uma singular, e outras plurais; uma independente, e outras dependentes, nityo nityanam cetanash cetananam, eko bahunam yo vidadhai kaman: “Eterno entre os eternos, Consciente entre os conscientes. Um entre os muitos, Ele satisfaz os desejos de todos”. (Katha Upanishad 5.13)

Apesar da sua natureza espiritual e transcendente, apesar de seu ser não poder ser afetado pelas variações do tempo e espaço, a consciência do jivatma, por ser fragmentária, quando se esquece de sua relação com o Paramatma, é influenciada pela energia material. Com isso, ele se envolve no ciclo de samsara (roda de nas­cimentos e mortes). 

O que prende todos no ciclo de samsara é a lei do karma. Em sua forma mais simples, a lei do karma age impessoalmente, como uma lei natural, assegu­rando que toda ação, seja ela boa ou má, eventualmente retorne ao indivíduo na forma de recompensa ou punição proporcional à natureza da ação executada.




Ilustração cartunesca da lei do karma.

A necessidade de “colher os frutos do karma” é o que obriga os seres humanos a nascer novamente (punar-janma), reencarnando em vidas sucessivas. Em outras pala­vras, se alguém morre antes de colher os frutos de suas ações passadas, o processo cár­mico forçará o seu retorno em vida futura. Voltar em outra vida também possibilita que as forças cármicas recompensem ou punam a pessoa através das circunstâncias de seu nascimento. Assim, por exemplo, quem foi generoso em uma vida poderá retornar como alguém muito próspero na sua próxima encarnação.

Para todas as tradições religiosas do Oriente, a emancipação na hora da morte constitui a meta suprema de todos os esforços humanos. Considerando a sua diversidade religiosa, o hinduísmo, da execução de sofisticados rituais, passando por formas austeras de disciplinas de autoconhecimento, yoga e meditação e chegando à devoção mística, busca várias formas de libertação.

O ritualismo do karma-marga (caminho das ações fruitivas), representado pela tradição sacerdotal dos brahmanas, busca, por meio da correta hermenêutica das escrituras védicas, a execução adequada dos ritos e a entoação correta dos mantras, para elevar o praticante às dimensões celestiais dos deuses e depois obter melhor renascimento neste mundo. Nessa tradição materialista, não se busca o fim do ciclo de nascimentos e mortes, mas, sim, obter a maior felicidade possível.

A tradição gnóstica do hinduísmo, o jnana-marga (caminho do conhecimento), representada principalmente pela escola smarta do Vedanta Advaita, considera que a meta final da existência é alcançar moksha, termo sânscrito que indica a libertação do ciclo infinito de nascimentos e mortes. O que acontece com a pessoa quando ela obtém moksha? Nessa tradição, acredita-se que, com moksha, atma individual funde-se no Brahman universal. Utiliza-se a imagem da gota d’água que cai no oceano e perde sua individualidade. A gota torna-se igual ao oceano. Apesar de ser muito utilizada, essa metáfora não expressa bem o sentido de fundir-se. Em vez da perda da individualidade, a compreensão das Upanishads é a de que o atma nunca existe separado do Brahman. Portanto, o sentido de separação é que é ilusório, e moksha é o despertar desse sonho de separação.

A tradição mística do yoga-marga (caminho do misticismo), representada por austeros renunciantes, busca, por meio do controle das funções psicofísicas, elevar a consciência para o estado de samadhi, transe místico que conduz ao moksha, a libertação do ciclo de nascimentos e mortes.

A tradição devocional do bhakti-marga (caminho da devoção amorosa), por sua vez, rejeita as posturas impessoais, tanto do ritualismo brâmane como do Vedanta Advaita, com sua ênfase intelectual nas afirmativas unitárias das Upanishad. Nessa tradição, Deus é visto como uma Deidade pessoal eterna, supremamente amorosa e que, por Sua graça, corresponde à adoração devocional de Seu devoto. O pós-morte no teísmo devocional não é uma bem-aventurança estática e abstrata, causada pela fusão da identidade individual da alma no oceano da refulgência do Brahman. Pelo contrário, a tradição devocional considera que as almas libertas participam eternamente de uma relação bem-aventurada com a Divindade, em Sua morada eterna, o Céu espiritual (param-vyoma). Esse mundo místico de amor espiritual, de alguma forma, lembra o Paraíso eterno das religiões ocidentais, mas não deve ser confundido com o paraíso temporário dos deuses (devas) e dos antepassados (pitris).

Juntamente com a existência de regiões celestiais, destinadas aos justos e piedosos, podemos também encontrar no hinduísmo o conceito bem desenvolvido de dimensões infernais, nas quais as pessoas excepcionalmente pecaminosas são punidas psiquicamente. Muito dos tormentos que acontecem nas regiões infernais do hinduísmo fazem lembrar os infernos semita-cristãos, bem ao estilo dos infernos da Divina Comédia, de Dante Alighieri, mas com sua devida diferença, pois os infernos hindus não são destinos definitivos para a alma. São mais como purgatórios, onde as almas experimentam uma forma limitada de sofrimento, determinada pelo seu karma e com propósito corretivo para possibilitar sua evolução espiritual. Depois de cumprir sua pena cármica, a alma pode sair do inferno e voltar a participar do ciclo de reencarnação.

Antyesti-kriya, O Último Sacramento

No hinduísmo, o funeral é um sacramento (samskara), assim como o nascimento e o casamento. Ele seria como o sacrifício ou o rito final (antyeshti). É um ritual executado para que a alma se desapegue do corpo e não corra o perigo de tornar-se um fantasma (bhuta ou preta), garantindo sua promoção para um mundo melhor.

A crença nos fantasmas é muito comum entre os indianos, sejam eles hindus, budistas ou jainistas. O termo bhuta aplica-se a qualquer classe de espírito desencarnado (bom ou ruim), assim como ao fantasma de uma pessoa morta. Já o termo preta indica especificamente esse mesmo espírito no período antes do término dos ritos funerais pós-mortes. Acredita-se que a alma de um falecido às vezes vagueia sofrendo como um preta e não consegue renascer. Ou seja, ela não pode alcançar o destino determinado pelos seus karmas até que os ritos funerários sejam executados.

Na tradição védica, como regra, não se enterram os mortos, que são cremados de acordo com injunções das escrituras. Isso tem como base a crença de que o corpo da jiva é constituído dos “cinco elementos” da prakriti (natureza material), que precisam ser devolvidos à sua fonte após a morte. Deles, o fogo, a terra, a água e o ar pertencem ao corpo denso (o sthula-sharira, que é formado do anna-maya kosha) e procedem deste mundo físico, enquanto o quinto elemento, o éter (espaço), pertence à dimensão do corpo sutil (o sukshma-sharira, que é constituído dos koshas mais sutis) e procede dos mundos superiores. Quando o corpo é cremado, apenas os quatro elementos densos são devolvidos às suas respectivas esferas, enquanto o corpo sutil, juntamente com a alma, retorna às dimensões superiores mais sutis para a continuação da sua vida pós-morte. 





Cerimônia de cremação às margens do rio Ganges.

Todavia, a cremação não é o único método prescrito para a remoção do corpo. Crianças até certa idade e pessoas santas ou iluminadas são enterradas. Por exemplo, um mestre espiritual é enterrado em uma sepultura chamada de samadhi, onde é colocado sentado em postura de lótus, em estado de maha-samadhi, para receber a veneração de seus discípulos ou seguidores. Apesar de a cremação ser o procedimento padrão, alguns hindus preferem ser sepultados nas águas de um rio sagrado, como o Ganges, onde as cinzas dos que foram cremados também são jogadas. Acredita-se que esses rios sagrados purifiquem a alma de seus pecados.

Para algumas pessoas, a morte pode ser vista como o dia da libertação, celebrada no lugar da data do aniversário. Até certo ponto, os ritos funerários servem para notificar a alma que ela de fato está morta.

É possível que uma alma desorientada, não consciente de que está do outro lado, fique com sua consciência ainda presa no plano físico. Ela pode observar esse mundo material, e até mesmo testemunhar o seu próprio funeral. Alguns dos hinos funerários se dirigem ao falecido, persuadindo-o a abandonar os apegos e continuar sua jornada.

Os ritos são também para os vivos, pois permitem que a família se despeça de uma forma respeitável e digna, que expresse sua dor, perda e outras emoções que naturalmente vêm à tona neste momento crítico. O significado mais profundo dos ritos funerários se constitui em fazer a conexão dos mundos sutis interiores (svarga ou pitri-loka) com o mundo físico exterior (bhu-loka), e o reconhecimento de que a família não consiste apenas das gerações vivas, mas também abrange os ancestrais.

Há almas que encarnam sequencialmente na mesma família. O neto pode ser a reencarnação da alma do avô. Dessa forma, o karma e o dharma coletivo são inteiramente resolvidos. Quem está no mundo sutil interior ajuda os parentes que estão no mundo manifesto. Depois, quando retornam ao mundo exterior, eles se esforçam para avançar espiritualmente, pois esse progresso só é possível em uma encarnação física. A cerimônia ritual de união do falecido com seus antepassados e a veneração anual dos antepassados mantêm aberta a comunicação sutil que possibilita prosperidade e longevidade para a família.

Os ritos fúnebres hindus são realizados com os propósitos de propiciar à alma migração segura e sobrevivência agradável no outro mundo, além de proteger os membros familiares de contaminações energéticas decorrentes da morte do parente. Segundo as crenças hindus, quando morre alguém da família, independente de ela estar perto ou longe, seus parentes ficam poluídos pelo mero processo de sua morte. Essa contaminação continua até que a alma tenha completado a sua jornada para o outro mundo e todos tenham se purificado pelos rituais. Até mesmo quem viu o cadáver ou entrou no local onde ele estava fica, alguma forma, contaminado.

Quando a pessoa morre, seu corpo, depois de receber o último banho, é levado para o crematório por seus amigos e parentes, ao som da entoação dos nomes de Deus. O corpo é cremado geralmente no mesmo dia, senão um ou dois dias depois. Na pira funerária, que geralmente é acesa pelo filho mais velho, coloca-se o corpo com os pés em direção ao sul, que é a direção de Yama, o deus da morte.

De três a dez dias depois da cremação, as cinzas são coletadas e guardadas em urnas, para serem espalhadas em vários locais. São misturadas com terra, água e ar, para simbolizar o retorno do corpo aos elementos.

As Cerimônias de Sraddha

Na longa lista dos sacramentos (samskara) do hinduísmo, há determinados ritos que devem ser executados para aqueles que já partiram do mundo físico. Eles recebem o nome genérico de sraddha e são executados pela família do falecido, logo depois do funeral. Consistem de uma série de oferendas cerimoniais em que preparações de alimentos e libações de água são dedicadas aos manes, pais ou ancestrais já falecidos.

Isso é algo natural para os hindus, pois, para eles, nunca houve uma barreira espessa entre os mundos visível e invisível, entre os ”vivos” e os “mortos”. O contato entre essas duas dimensões sempre caracterizou essa tradição religiosa, pois consideram-se os deuses (devas) e os manes (pitris) tão reais como os humanos.

Nas cerimônias iniciais de sraddha, chamadas de ekoddishta sraddha ou preta-kriya, os filhos do falecido cantam mantras e oferecem preparações à alma que partiu para fornecer-lhes nutrição. São tortas de arroz, conhecidas como pindas, ou outros ingredientes, como leite, coalhada etc., que, oferecidos como oblação nos sacrifícios, adquirem uma forma sutil chamada apurva (“sem precedente”) e se prende ao sacrificador. Os jivas, envolvidos pela água suprida pelos ingredientes oferecidos em oblação nos sacrifícios e fortalecidos energeticamente pelos mantras, desenvolvem um corpo etéreo adequado que permita sua sobrevivência a caminho do mundo dos ancestrais. Essas oferendas devem ser realizadas durante dez dias. Cada dia equivale a um mês do período normal de gestação do embrião humano no ventre.

Quem executa sacrifícios satisfaz os deuses no paraíso e desfruta com eles. Tornam-se associados úteis dos deuses e contribuem para o desfrute deles, por meio de sua presença e serviço naquele mundo. Eles desfrutam em Chandraloka e, com o fim do estoque de seu mérito, retornam à Terra.

Muitas vezes, quando o falecido não teve morte natural e consciente, ele, na condição de preta, pode atormentar os membros de sua família. Então, as oferendas da cerimônia de sraddha podem tranquilizar a alma. Tais oferendas destinam-se a garantir a redenção da alma do falecido da condição de fantasma, que é o corpo de preta, e ajudá-lo a renascer, de acordo com seu karma passado acumulado. O Garuda Purana (2.13.1-23) explica como a alma do falecido pode ficar imobilizada por muito tempo na condição de preta, sem corpo e sentidos físicos. Não pode nascer para desfrutar de seu karma. Então, nessa condição de preta, ela vaga por todos os lugares, sofre fome e sede, até que os ritos funerários sejam executados.

Também se explica que, depois da morte, a alma do falecido adquire o corpo etéreo (ativahika sharira) de preta (Garuda Purana, 2.10.75-77). E que ela deixa esse corpo e adquire um corpo pinda-deha, feito de pindas (Garuda Purana 2.10.82, 2.15.37-38 e 2.15.66-67), como resultado das oferendas de pinda (tortas ou bolos de arroz), feitas na cerimônia de ekoddishta sraddha, durante os primeiros dez dias após a morte.

Entretanto, quando o corpo pinda-deha também se dissolve, como resultado dos ekoddishtta sraddha executados mensalmente, durante um ano, a alma está livre para deixar a dimensão intermediária e entrar no mundo dos antepassados. Nessa ocasião, realiza-se a cerimônia de sraddha conhecida como sapindi-karana, que facilita a entrada da alma no mundo dos ancestrais (pitri-loka) e sua permanência lá a partir de então.

Ficou bem claro que a não execução dos sraddhas faz com que haja impedimento no cumprimento da lei do karma. Cria-se impedimento no karma-vipaka, ou fruição do karma acumulado.

Considerações Finais

Sentir medo em face da experiência inevitável da morte é consequência da ignorância da verdadeira natureza da alma espiritual, das possibilidades de ela viver em diferentes dimensões e o próprio processo transformador dessa experiência. Punar-janma, o renascimento que liga uma vida a outra, reduz qualquer morte particular a um mero incidente dentro de uma série indefinida de incidentes.

Então, o que teria valor para o jivatma eterno não seria seu corpo material temporário e as parafernálias ligadas a ele, como família, bens materiais e posição social, mas, sim, a própria essência de eternidade, consciência e bem-aventurança. Assim como quem consegue algo superior, ele não tem dificuldade alguma de abandonar as coisas inferiores. Da mesma forma, quem está situado em autoconhecimento, na plataforma espiritual, consegue facilmente situar-se além dos prazeres materiais temporários. Na plataforma de autorrealização, o místico também sente prazer (ramante), mas seu prazer é infinito (anante). Isso é explicado no Padma Puranaramante yogino ’nantesatyananda-cid-atmani: “A felicidade dos místicos é ilimitada e real, pois vem da Verdade Absoluta”.

Porque na plataforma da autorrealização há o reconhecimento da existência continuada do ser (sat), da consciência ou conhecimento ilimitados (cit) e da satisfação estética infinita (ananda), a morte do corpo e a perda dos prazeres dos sentidos temporários não representam perda. O que ocorre é manifestação de um ganho maior. Portanto, não há motivo para medo e ansiedade. Morrer é algo tão natural e normal que jamais se considera “o morto” como tal. Ele apenas foi para outro lugar, para outra dimensão – mudou de residência.

Loka-sakshi Dasa, natural de Santa Cruz do Rio Pardo, SP, é discípulo direto de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada. É versado em sânscrito e possui doutorado em Ciência das Religiões pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É conhecido por sua grande erudição e também por contribuir ativamente na difusão da sabedoria védica por todo o Brasil.

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Bibliografia

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Prabhupada, A.C. Bhaktivedanta Swami. O Bhagavad-Gita Como Ele É. São Paulo: The Bhaktivedanta Book Trust, 1986.

Além do Nascimento e da Morte. São Paulo: The BhaktivedantaBook Trust, 1986.
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Sutton, Nicholas. Religious Doctrines in the Mahabharata. Delhi: Motilal Banarsidass, 2000.

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Fonte: Amigos de Krishna.


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