sexta-feira, 7 de março de 2014

O Resgate da Verdadeira Força da Mulher - Dia Internacional da Mulher



Mulher, você não precisa ser feminista, louca, ativista. 

Não precisa negar sua feminilidade e querer ser um homem para ser independente, ter voz, ser livre. 

Foi trocando valores que as mulheres se confundiram nestes anos, foram negando sua maternidade, foram ficando agressivas e negligenciando o cuidado e zêlo familiar. 

Por conta disso, também, atribuo uma das razões da desestrutura familiar e da humanidade. 

A mulher é creadora. 

Caminho do Meio. 


 Trabalho, corpo, independência, espírito, liberdade, família, firmeza, doçura e feminilidade. 

Que encontremos a felicidade como quisermos e com quem quisermos. 

Que consigamos reconectar o que perdemos tentando encontrar...  









Sementes Espaço Ponto de Luz, Rosana Rodrigues.



segunda-feira, 3 de março de 2014

ESTUDO DOS VEDAS - CAPÍTULO II - RESUMO DO CONTEÚDO DO GITA

      ESTUDO DOS VEDAS (cont.) - CAPÍTULO II - RESUMO DO CONTEÚDO DO GITA




Pérola 6. ARJUNA É REPREENDIDO POR KRISHNA (versos 1 a 3)

1. Sañjaya disse: Vendo Arjuna cheio de compaixão, sua mente deprimida, seus olhos rasos d’água, Madhusudana, Krishna, disse as seguintes palavras: 2. A Suprema Personalidade de Deus disse: Meu querido Arjuna, como foi que estas impurezas desenvolveram-se em ti? Elas não condizem com um homem que conhece o valor da vida. Elas não conduzem aos planetas superiores, mas à infâmia. 3. Ó filho de Pritha, não cedas a esta impotência degradante. Isto não te fica bem. Abandona esta mesquinha fraqueza de coração e levanta-te, ó castigador dos inimigos.

Tal reação enérgica do Senhor em relação à condição aflitiva de Arjuna serve como grande exemplo para todos nós. Embora tivesse recebido treinamento espiritual, Arjuna deixou-se entregar a sentimentos mundanos. Portanto, o Senhor Krishna mostrou Sua surpresa ao indagar: “Como estas impurezas se desenvolveram em ti, um ariano, uma pessoa que conhece o verdadeiro propósito da vida?”
A lição a se aprender com isto é que, caso nossos desejos pessoais sejam prejudicados, nossa mente pode se tornar uma inimiga tão traiçoeira que, com imperceptível sutileza, nos desviará do nosso verdadeiro dharma. Este foi exatamente o caso de Arjuna, que apresentava argumentos sensatos e inventava boas desculpas com o propósito de simplesmente esconder seus sentimentos mundanos de medo e o apego às relações corpóreas.
Esquecidos da nossa identidade espiritual eterna, apegamo-nos excessivamente ao nosso corpo material e a tudo e todos que estejam ligados a ele. Este apego faz com que a mente se absorva em raciocínios materiais e receba a influência constante de falsos conceitos de “eu e meu”, desviando-nos cada vez mais da verdade.
Ao estudarmos o primeiro capítulo, pudemos entender com bastante clareza que o temor que tomou conta de Arjuna, por muitos motivos, não fazia o menor sentido. Como guerreiro, era inaceitável que Arjuna desistisse de uma luta onde a responsabilidade de proteger o dharma estava sob seus cuidados, embora ele houvesse argumentado que seu desejo de desistir da batalha se devia ao profundo respeito ao seu avô Bhisma. Na verdade, o Senhor Krishna considerou tal argumento como simples fraqueza do coração, uma falsa idéia de não-violência. Em outras palavras, toda a lamentação de Arjuna não se justificava, pois, em última análise, ela se baseava na ignorância acerca do verdadeiro eu. Suas lágrimas revelavam muito mais sua fraqueza de coração do que um sinal de verdadeira compaixão espiritual. Por isso, o Senhor tentou animar Arjuna a abandonar sua impotência revestida de tal pretensa não-violência e recomendou que ele se levantasse e participasse energicamente da batalha. Desse modo, sentindo-se incapacitado de resolver seus próprios problemas, Arjuna não hesita em pedir ajuda a seu amigo, o Senhor Krishna.

Pérola 7. ARJUNA ACEITA KRISHNA COMO MESTRE ESPIRITUAL (versos 4 a 9)

4. Arjuna disse: Ó matador dos inimigos, ó matador de Madhu, como é que na batalha posso contra-atacar com flechas homens como Bhisma e Drona, que são dignos de minha adoração? 5. É preferível viver mendigando neste mundo que viver à custa das vidas de grandes almas que são meus mestres. Embora desejem conquistas terrenas, eles são superiores. Se forem mortos, tudo o que desfrutarmos estará manchado de sangue. 6. Tampouco sabemos o que é melhor – vencê-los ou ser vencidos por eles. Se matássemos os filhos de Dhritarastra, não nos importaríamos de viver. Contudo, eles agora estão diante de nós no campo de batalha. 7. Agora estou confuso quanto ao meu dever e perdi toda a compostura devido à torpe fraqueza. Nesta condição, estou Te pedindo que me digas com certeza o que é melhor para mim. Agora sou Teu discípulo e uma alma rendida a Ti. Por favor, instrui-me. 8. Não consigo descobrir um meio de afastar este pesar que está secando meus sentidos. Não serei capaz de suprimi-lo nem mesmo que ganhe na Terra um reino próspero e inigualável com soberania como a dos semideuses nos céus. 9. Sañjaya disse: Tendo falado essas palavras, Arjuna, o castigador dos inimigos, disse a Krishna, Govinda, não lutarei, e ficou calado.

Apesar de ter apresentado anteriormente tantos argumentos baseados no conhecimento dos princípios religiosos e morais, podemos analisar que Arjuna foi incapaz de resolver seus problemas sozinho. Esta verdade não é aplicável simplesmente a Arjuna, mas se aplica a todos que se encontram neste mundo. Independente do grau elevado de conhecimento material que a pessoa tenha atingido, continuará sendo impossível superar as perplexidades da vida sem a ajuda de um mestre espiritual. Assim como Arjuna, qualquer pessoa desprovida de conhecimento transcendental comprovará, mais cedo ou mais tarde, que seus esforços pessoais em tentar resolver seus problemas serão insuficientes. Ela terá de se submeter ao cultivo do conhecimento transcendental sob a guia de um mestre espiritual auto-realizado. As perplexidades e situações problemáticas fazem parte da natureza deste mundo e surgem a todos, mesmo que ninguém as procure.
Em meio a tantas dificuldades, Arjuna reconheceu sua fraqueza e confusão mental e assumiu sua incapacidade de cumprir corretamente seus diferentes deveres. Sua situação era extremamente delicada, pois seu dever de guerreiro ia contra seus deveres familiares, os quais também aparentemente contrariavam o desejo do Senhor. Em outras palavras, ao cumprir corretamente seu dever de guerreiro, ele cometeria ofensas aos membros de sua família, tais como seus primos, os filhos de Dhritarastra, e seu querido avô Bhisma. Por outro lado, renunciando a guerra e cumprindo seus deveres familiares, Arjuna estaria contrariando o desejo direto de Deus, o Senhor Krishna, que estava pessoalmente a seu lado. Dessa maneira, Arjuna revelou sua incapacidade de encontrar sozinho uma solução e recorreu à ajuda de seu amigo, colocando-se como um discípulo dependente.
Como ficará claro no Capítulo Quatro, o Senhor Krishna desce à Terra por Sua misericórdia imotivada e executa atividades como se fosse um ser humano comum, embora nunca deixe de ser a Suprema Personalidade de Deus. Seu aparecimento neste mundo tem como propósito principal atrair os diferentes seres vivos que estão esquecidos de suas identidades espirituais eternas. Desse modo, o Senhor Krishna cria uma situação na qual o grande devoto Arjuna revela sua perplexidade e confusão mental e decide pedir instruções espirituais. Com isto, o Senhor coloca-Se na posição de mestre espiritual não apenas de Arjuna, mas de todos os afortunados seres vivos que podem tirar proveito espiritual ilimitado deste conhecimento imaculado apresentado sob a forma do Bhagavad-gita.

Pérola 8. AS PRIMEIRAS INSTRUÇÕES DO SENHOR (versos 10 a 15)

10. Ó descendente de Bharata, naquele momento, Krishna, no meio dos dois exércitos, sorriu e disse as seguintes palavras ao desconsolado Arjuna. 11. A Suprema Personalidade de Deus disse: Enquanto falas palavras sábias, estás lamentando aquilo com que não precisas te afligir. Os sábios não lamentam nem os vivos nem os mortos. 12. Nunca houve um tempo que Eu não existisse, nem tu, nem todos esses reis; e no futuro nenhum de nós deixará de existir. 13. Assim como, neste corpo, a alma corporificada seguidamente passa da infância à juventude e à velhice, do mesmo modo, chegando a morte, a alma passa para outro corpo. Uma pessoa ponderada não fica confusa com essa mudança. 14. Ó Filho de Kunti, o aparecimento transitório de felicidade e aflição, e seu desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e verão. Surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e é preciso aprender a tolerá-los sem perturbar-se. 15. Ó melhor entre os homens (Arjuna), quem não se deixa perturbar pela felicidade ou aflição e que permanece estável em ambas as circunstâncias decerto está qualificado para alcançar a liberação.

O Senhor Krishna, o mestre espiritual supremo, foi direto ao assunto: “Meu querido Arjuna, se Me queres como teu mestre espiritual, então dar-te-ei Minha primeira instrução: torna-te um verdadeiro sábio e não te lamentes desnecessariamente!” Isto é extremamente significativo. Lamentação e vida espiritual definitivamente não combinam. De um modo geral, a lamentação é um sinal evidente da ignorância acerca do verdadeiro eu. Pelo controle supremo, as diferentes almas são lançadas em diferentes corpos, onde terão de existir por um período específico de tempo. Pelo controle supremo, tais almas terão de abandonar no momento certo seus respectivos corpos e obterão, de uma maneira impecavelmente justa, os resultados de suas atividades. Qual é, então, a necessidade de lamentação? Como ficará cada vez mais claro durante o estudo desta obra, a alma é eterna e sempre existente. A morte é um simples conceito material, relativo apenas ao corpo físico, uma mera cobertura temporária da alma. Por isto, Arjuna não deveria dar tamanha importância à condição do corpo material. Isto estava acarretando um esquecimento acerca do verdadeiro eu, a alma espiritual, resultando em desnecessária lamentação. Nos dias de hoje, a civilização humana carece deste conhecimento espiritual e, como Arjuna, foi mordida pela serpente da lamentação, cujo veneno se expande em todos os setores da sociedade. Na verdade, a condição corpórea é lamentável por ser completamente incompatível com a natureza eterna da alma. Logo que nasce, o corpo terá de gradualmente atingir as fases de doença, velhice e morte. Em conclusão, a identificação corpórea é uma fonte de lamentação que tem como consequência a intolerância e a instabilidade emocional. No entanto, ao compreender sua natureza eterna e ao utilizar o corpo material exclusivamente como um instrumento para a auto-realização espiritual, a pessoa livra-se das dualidades concernentes à vida material, aprende a tolerar as adversidades deste mundo e não se perturba diante dos reveses da vida. Certamente, tal pessoa pode alcançar completa liberação mesmo estando em contato com o corpo material, posto que suas atividades corpóreas não mais a afetarão. Isto significa que, mesmo que o seu corpo aja movido pela reação às suas atividades passadas, a Suprema Personalidade de Deus passa a cuidar pessoalmente de tal alma liberada. Por exemplo, mesmo depois de desligado, o ventilador elétrico continua girando por algum tempo. No entanto, este giro não se deve à corrente elétrica, mas à continuação do último movimento. Em outras palavras, embora uma alma liberada pareça estar agindo tal qual uma pessoa comum, suas ações não passam de continuação das atividades passadas.

Pérola 9. A NATUREZA SUPERIOR DA ALMA (versos 16 a 25)

16. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que o não-existente (o corpo material) não permanece e o eterno (a alma) não muda. Isto eles concluíram estudando a natureza de ambos. 17. Deves saber que aquilo que penetra o corpo inteiro é indestrutível. Ninguém é capaz de destruir a alma imperecível. 18. O corpo material da entidade viva indestrutível, imensurável e eterna decerto chegará ao fim; portanto, luta, ó descendente de Bharata. 19. Nem aquele que pensa que a entidade viva é o matador nem aquele que pensa que ela é morta estão em conhecimento, pois o eu não mata nem é morto. 20. Para a alma, em tempo algum existe nascimento ou morte. Ela não passou a existir, não passa a existir e nem passará a existir. Ela é não nascida, eterna, sempre-existente e primordial. Ela não morre quando o corpo morre. 21. Ó Partha, como pode uma pessoa que sabe que a alma é indestrutível, eterna, não-nascida e imutável matar alguém ou fazer com que outrem mate? 22. Assim como alguém veste roupas novas, abandonando as antigas, a alma aceita novos corpos materiais, abandonando os velhos e inúteis. 23. A alma nunca pode ser despedaçada por arma alguma, tampouco pode ser queimada pelo fogo, umedecida pela água ou enxugada pelo vento. 24. Essa alma individual é inquebrável e indissolúvel, e não pode ser queimada nem seca. Ela é permanente, está presente em toda parte, é imutável, imóvel e eternamente a mesma. 25. Diz-se que a alma é invisível, inconcebível e imutável. Sabendo disto, não te deves afligir por causa do corpo.

Nestes versos, encontramos explicações claras da verdadeira natureza da alma como algo diferente do corpo. O corpo material, por exemplo, vive em constante transformação através das ações e reações das diferentes células, produzindo o crescimento e a velhice. A alma, no entanto, sendo uma centelha espiritual minúscula, permanece imutável, sem se submeter às mudanças que ocorrem no corpo. Portanto, este corpo material é simplesmente a corporificação da alma, a qual se espalha por todo o corpo e pode ser percebida como consciência individual. Por natureza, o corpo material é perecível, mas a alma é eterna. Ela é descrita nos Vedas como sendo do tamanho de uma décima milésima parte da porção superior da ponta de um fio de cabelo. Em outras palavras, ela é tão pequena que nem sequer pode-se medir sua dimensão. Ainda assim, apesar de diminuta, ela é autoluminosa, sendo parte da luz suprema. É esta partícula de luz espiritual que mantém o corpo, pois quando ela parte, imediatamente começa a decomposição do corpo. O que se chama de morte, portanto, nada mais é do que o fenômeno que ocorre quando a alma abandona o corpo que não apresenta mais condições apropriadas para sua permanência. O corpo está frequentemente sujeito a seis diferentes transformações: ele nasce do ventre do corpo da mãe, permanece por algum tempo, cresce, produz subprodutos, definha gradualmente e cai no esquecimento. A alma, porém, não passa por tais mudanças. Ela não nasce, mas, por ser lançada no ventre materno, acaba aceitando a cobertura de um determinado corpo e faz com que, sob sua influência, o corpo nasça e se desenvolva. Por observação, podemos comprovar que tudo o que nasce também morre. No entanto, por que não tem nascimento, a alma não tem passado, presente ou futuro – ela é sempre-existente e primordial. A alma nunca é afetada pelas mudanças do corpo e tampouco ela produz algum subproduto. O que chamamos de filhos são simplesmente os subprodutos do corpo, os quais possuem diferentes almas individuais. O corpo só se desenvolve por causa da presença da alma, mas ela permanece livre de qualquer alteração. Estando localizada no coração da entidade viva, a alma simplesmente atua como fonte de energia para que o corpo possa executar suas funções. Às vezes, devido às nuvens no céu, não podemos ver o Sol no céu, mas quando existe claridade podemos ter a completa convicção de que é dia e que o Sol ainda está presente. Da mesma forma, mesmo que não se consiga encontrar a alma dentro do coração, ainda assim, se um corpo apresenta consciência isto indica a presença da alma dentro deste corpo. Do mesmo modo, quando o corpo perde completamente sua consciência, isso é uma evidência concreta que a alma foi transferida para outro corpo. Esta transferência torna-se possível unicamente pela presença transcendental da manifestação do Senhor conhecida como Superalma, a qual também reside dentro de todos os corpos. Segundo este exemplo, os Vedas comparam este corpo a uma árvore onde estão pousados dois pássaros: a alma individual e a Superalma. Um pássaro, a alma individual, executa todo tipo de atividades mundanas e, na tentativa de desfrutar dos frutos desta árvore, vive mergulhado em constante ansiedade e melancolia. A Superalma, por Sua vez, mantém-Se à parte e, como um pássaro amigo, simplesmente testemunha e aguarda o momento em que a alma individual irá se voltar para Ele. Neste momento, o pássaro aflito, concordando em aceitar Suas instruções divinas, se livrará de toda ansiedade. Mas, enquanto isto não acontecer, a alma terá de se contentar em trocar de corpo material, assim como uma pessoa tem de substituir suas roupas inúteis e velhas por vestes mais novas.
Através dessas instruções transcendentais, o Senhor Krishna queria livrar seu amigo Arjuna de qualquer tipo de lamentação. Com certeza, Arjuna estava preocupado com a morte de seu avô Bhisma e de seu mestre Drona, no entanto, segundo o Senhor, Arjuna deveria sentir-se feliz de saber que eles seriam promovidos para uma situação de vida superior. Suas almas não seriam absolutamente alteradas, pois qualquer tipo de arma – seja ela espada, arma incandescente, arma pluvial, etc. – seria incapaz de ferir a alma de seus entes queridos que, como partículas atômicas do Espírito Supremo, sempre permaneceriam o mesmo átomo imutável. Portanto, como ficará ainda mais claro nos próximos versos, a lamentação de Arjuna não se justificava nem material, nem espiritualmente.

Pérola 10. NÃO HÁ RAZÃO PARA SE LAMENTAR (versos 26 a 30)

26. Se, no entanto, pensas que a alma sempre nasce e morre para sempre, mesmo assim, não tens razão para lamentar, ó pessoa de braços poderosos. 27. Alguém que nasceu com certeza morrerá, e após a morte ele voltará a nascer. Portanto, no inevitável cumprimento do dever, não deves te lamentar. 28. Todos os seres criados são imanifestos no seu começo, manifestos no seu estado intermediário, e de novo imanifestos quando aniquilados. Então, qual a necessidade de lamentação? 29. Alguns consideram a alma espantosa, outros descrevem-na como espantosa, e alguns ouvem dizer que ela é espantosa, enquanto outros, mesmo após ouvir sobre ela, não podem absolutamente compreendê-la. 30. Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo nunca pode ser morto. Portanto, não precisas afligir-te por nenhum ser vivo.

Estes versos são especialmente destinados às pessoas que acreditam que este corpo não passa de uma mera combinação de elementos químicos e que a vida se desenvolve através da simples interação desses elementos químicos. Para tais pessoas, que não acreditam na existência da alma, ainda assim não existe motivo para lamentação, pois ninguém deve se lamentar pela simples perda de meras substâncias químicas. Além disso, a batalha tornara-se inevitável e, como ficará cada vez mais claro, em certas circunstâncias a violência e a guerra são fatores essenciais para se manter uma situação pacífica na sociedade humana. Na verdade, esta Batalha de Kurukshetra era um desejo do próprio Senhor e, como um kshatriya, Arjuna deveria lutar por esta causa suprema sem cair em lamentação. As atividades que a pessoa executa numa vida irão determinar seu próximo nascimento, pois, dessa maneira, todos passam por consecutivos ciclos de nascimentos e mortes. Isso significa que, mesmo que evitasse a guerra contra seus parentes, Arjuna não seria capaz de deter a morte deles. Tal lamentação era infundada e levaria Arjuna à degradação por escolher a maneira errada de agir. O Bhagavad-gita revela-nos o conhecimento essencial para a auto-realização espiritual, dando-nos como base a não-existência do corpo material. No entanto, é muito difícil encontrar alguém que esteja verdadeiramente inclinado a entender esta ciência da alma diretamente da boca de lótus do Senhor. Deixando-se levar por diferentes teorias desautorizadas, as pessoas podem facilmente se desorientar e concluir erroneamente que a alma individual e a Alma Suprema são unas em todos os aspectos. De qualquer maneira, aceitando ou não a existência da alma ou mesmo acreditando na unidade entre a alma atômica e a Superalma, a lamentação pela perda do corpo material não faz o menor sentido.

Pérola 11. OS DEVERES DE UM GUERREIRO (versos 31 a 38)

31. Considerando teu dever específico de kshatriya, deves saber que não há melhor ocupação para ti do que lutar conforme determinam os princípios religiosos; e assim não há necessidade de hesitação. 32. Ó Partha, felizes são os kshatriyas a quem aparece essa oportunidade de lutar, abrindo-lhes as portas dos planetas celestiais. 33. Se, contudo, não executares teu dever religioso e não lutares, então na certa incorrerás em pecados por negligenciar teus deveres e assim perderás tua reputação de lutador. 34. As pessoas sempre falarão de tua infâmia, e para alguém respeitável, a desonra é pior do que a morte. 35. Os grandes generais que têm na mais alta estima o teu nome e fama pensarão que deixaste o campo de batalha simplesmente porque estavas com medo, e portanto te considerarão insignificante. 36. Teus inimigos te descreverão com muitas palavras indelicadas e desdenharão tua habilidade. Que poderia ser mais doloroso para ti? 37. Ó filho de Kunti, ou serás morto no campo de batalha e alcançarás os planetas celestiais, ou conquistarás e gozarás o reino terrestre. Portanto, levanta-te com determinação e luta. 38. Luta pelo simples fato de lutar, sem levar em consideração felicidade ou aflição, perda ou ganho, vitória ou derrota – e adotando este procedimento nunca incorrerás em pecado.

Ao matar indivíduos que estão atuando como inimigos dos princípios religiosos, o kshatriya não está absolutamente incorrendo em violência. Na verdade, a atitude enérgica por parte do kshatriya contra os agressores dos princípios religiosos não deve ser interpretada como violência, assim como não existe a menor violência quando se usa um espinho para ajudar a arrancar o outro espinho que esteja fincado em alguma parte do corpo. Desse modo, o argumento de Arjuna de que esta luta iria proporcionar a ele uma residência permanente no inferno não fazia o menor sentido, pois, a palavra composta kshatriya (kshat - lesado, trayate - dar proteção) é dada às pessoas que se propõem a proteger os cidadãos. Arjuna havia sido treinado como um verdadeiro kshatriya e teve de se submeter a severos treinamentos como entrar na floresta e desafiar animais selvagens munido unicamente de uma espada. Este treinamento se faz necessário porque às vezes a violência pode ser útil para dar proteção à vida religiosa. Por isso, o Senhor Krishna diz para Arjuna que esta luta abriria as portas dos planetas celestiais superiores. Se ele vencesse, desfrutaria do reino terrestre em nome da religião e, se fosse derrotado, elevar-se-ia aos planetas celestiais.
Arjuna era muito famoso, pois havia vencido inclusive alguns semideuses na batalha. Seu próprio mestre, Dronacharya, havia presenteado Arjuna com uma arma especial. Esta arma era tão poderosa que, com ela, Arjuna poderia inclusive matar Drona. De modo que, se ele fugisse da batalha, todos iriam considerá-lo um covarde e, assim, perderia fama e reputação. Como um amigo e mestre, o Senhor Krishna o alertou quanto a isto e o aconselhou a permanecer na batalha, mesmo que tivesse de enfrentar a morte. No cumprimento dos deveres religiosos, Arjuna não deveria levar em consideração se o resultado imediato apareceria na forma de felicidade ou aflição, vitória ou derrota, etc. Sendo transcendentais, as atividades religiosas da consciência de Krishna estão acima da dualidade material. Depois de explicar a verdadeira natureza da alma e, ao mesmo tempo, deixar claro que a proposta de Arjuna de não lutar era irreligiosa e baseava-se simplesmente no gozo dos sentidos, o Senhor começará agora a ensinar o processo espiritual chamado buddhi-yoga, na qual se passa a agir com inteligência transcendental.

Pérola 12. A YOGA DA INTELIGÊNCIA (versos 39 a 41)

39. Até aqui, descrevi-te este conhecimento através do estudo analítico. Agora ouve enquanto Eu o explico em termos do trabalho sem resultados fruitivos. Ó filho de Pritha, quando ages com esse conhecimento, podes libertar-te do cativeiro decorrente das ações. 40. Neste esforço, não há perda nem diminuição, e um pequeno progresso neste caminho pode proteger a pessoa do mais perigoso tipo de medo. 41. Aqueles que estão neste caminho são resolutos, e têm apenas um objetivo. Ó amado filho dos Kurus, a inteligência daqueles que são irresolutos tem muitas ramificações.

Até então, o Senhor Krishna havia explicado o sistema de sankhya-yoga, ou seja, a diferença analítica entre o corpo material e a alma espiritual. Isto, no entanto, não consistia em instruções práticas de como agir na plataforma espiritual. Para praticar tal sistema de yoga, Arjuna teria de compreender a individualidade das diferentes almas que estavam naquele campo de batalha e teria de vê-las como indivíduos eternos, os quais estavam sujeitos às várias mudanças das roupas corpóreas. Porém, o simples fato de compreender a diferença entre corpo e alma não seria suficiente para resolver os problemas de Arjuna. Ele teria de aprender a agir neste mundo sem se afetar pelas reações materiais. Por isso, o Senhor passará agora a descrever buddhi-yoga, a qualidade superior de trabalho quando, com inteligência purificada, passa-se a atuar em liberdade sem se envolver com as reações do trabalho.
O Senhor estava pessoalmente presente no campo sagrado de Kurukshetra e pessoalmente desejava a batalha para que todos fossem beneficiados e elevados a uma posição superior. Desse modo, satisfazendo os desejos do Senhor, todos estariam praticando serviço devocional, mesmo abandonando seus respectivos corpos no campo de batalha. Isso daria a todos os guerreiros um resultado espiritual excelente, o qual nunca estaria perdido. Diferentemente das atividades materiais, cujos resultados são perdidos com a destruição do corpo material, aqui o Senhor afirma que as atividades espirituais produzem resultados permanentes. “Não há perda, nem diminuição”, diz o Senhor, o que significa que nosso avanço espiritual é transferido para nossas próximas vidas e esta é a vantagem de executar atividades em consciência de Krishna.

Pérola 13. AS PALAVRAS FLORIDAS DOS VEDAS (versos 42 a 46)

42-43. Os homens de pouco conhecimento estão muitíssimo apegados às palavras floridas dos Vedas, que recomendam várias atividades fruitivas àqueles que desejam elevar-se aos planetas celestiais, com o consequente bom nascimento, poder e assim por diante. Por estarem ávidos de gozo dos sentidos e vida opulenta, eles dizem que isto é tudo o que existe. 44. Nas mentes daqueles que estão muito apegados ao gozo dos sentidos e à opulência material, e que se deixam confundir por estas coisas, não ocorre a determinação resoluta de prestar serviço devocional ao Senhor Supremo. 45. Os Vedas tratam principalmente do tema três modos da natureza material. Ó Arjuna, torna-te transcendental a esses três modos. Liberta-te de todas as dualidades e de todos os anseios advindos da busca de ganho e segurança e estabelece-te no eu. 46. Todos os propósitos satisfeitos por um poço pequeno podem imediatamente ser satisfeitos por um grande reservatório de água. De modo semelhante, pode servir-se de todos os propósitos dos Vedas quem conhece o seu propósito subjacente.

As pessoas em geral têm grande dificuldade em compreender e adotar diretamente as atividades espirituais da consciência de Krishna. Devido à sua forte determinação em satisfazer os sentidos, tais pessoas materialmente motivadas preferem adotar atividades religiosas mundanas, onde as propostas de gozo dos sentidos e opulência material são enfatizadas. Mal sabem elas que qualquer atividade material, quer seja religiosa ou não, irá envolvê-las em reações nos três modos da natureza, e causará cativeiro permanente neste mundo. Para tais pessoas menos inteligentes, os Vedas oferecem as seções karma-kanda para, aos poucos, elevá-las do campo grosseiro do gozo do sentidos a uma posição no plano transcendental. Arjuna, no entanto, como aluno e amigo direto do Senhor, deveria transcender a todas as propostas de prazeres materiais temporários e se situar além das dualidades pertinentes à vida material. Portanto, atinge a prática de buddhi-yoga quem é bastante inteligente para compreender o verdadeiro propósito dos Vedas sem se apegar meramente aos rituais e sem visar simplesmente a uma melhor qualidade de gozo dos sentidos.

Pérola 14. LIBERTANDO-SE DAS ATIVIDADES FRUITIVAS (versos 47 a 53)

47. Tens o direito de executar teu dever prescrito, mas não podes exigir os frutos da ação. Jamais te consideres a causa dos resultados de tuas atividades, e jamais te apegues ao não-cumprimento do teu dever. 48. Desempenha teu dever com equilíbrio, ó Arjuna, abandonando todo o apego a sucesso ou fracasso. Essa equanimidade chama-se yoga. 49. Ó Dhanañjaya, através do serviço devocional, mantém todas as atividades abomináveis bem distantes, e com esta consciência, rende-te ao Senhor. Aqueles que querem gozar o fruto de seu trabalho são mesquinhos. 50. Um homem ocupado em serviço devocional livra-se tanto das boas quanto das más ações, mesmo nesta vida. Portanto, empenha-te na yoga, que é a arte de todo o trabalho. 51. Ocupando-se nesse serviço devocional ao Senhor, grandes sábios ou devotos livram-se dos resultados do trabalho no mundo material. Desse modo, eles transcendem ao ciclo de nascimentos e mortes e passam a viver além de todas as misérias. 52. Quando tua inteligência tiver cruzado a densa floresta da ilusão, tornar-te-ás indiferente a tudo o que se ouviu e a tudo o que se há de ouvir. 53. Quando tua mente deixar de perturbar-se pela linguagem florida dos Vedas, e quando se fixar no transe da auto-realização, então terás atingido a consciência divina.

O Bhagavad-gita nos ensina que todos são forçados pela natureza material a agir de acordo com suas próprias tendências. Desse modo, todos devem aceitar um treinamento para aprender a fazer um bom uso de sua natureza específica. Tal natureza é como uma bagagem trazida de outras vidas, da qual não podemos nos livrar facilmente. Ela é o resultado das atividades piedosas e pecaminosas acumuladas em muitas vidas prévias. Portanto, dentro de uma sociedade centralizada em Deus, todos são treinados a adotar deveres prescritos naturais e, assim, utilizar sua natureza para propósitos espirituais.
Na vida material, todos estão visando à sua própria satisfação e, como resultado disso, permanecem constantemente sujeitos às reações materiais. Na vida espiritual, no entanto, a dedicação está sempre voltada à satisfação do Senhor, e, como resultado natural, os deveres prescritos são desempenhados com estabilidade e equilíbrio, e livram gradualmente a pessoa de resultados indesejáveis. Isto porque, ao compreender sua posição constitucional como parte integrante do Senhor, a pessoa aprende a abandonar suas atividades materialmente motivadas, e, mediante um simples ajuste espiritual, transforma-as em ocupações verdadeiramente transcendentais.
Devido à influência de maya, a energia ilusória do Senhor, as pessoas não conseguem perceber que este mundo material é um lugar onde existe perigo a cada passo. Os verdadeiros yogis, portanto, são devotados ao Senhor e refugiam-se nEle, ocupando-se no Seu serviço devocional amoroso. Portanto, quando o yogi compreende que as atividades fruitivas materiais, religiosas ou não, nunca poderão livrá-lo por completo das ansiedades materiais, ele se torna realmente perfeito e atinge o transe, fixando-se na auto-realização espiritual. Desse modo, ele abandona todas as outras ocupações inferiores e passa a se ocupar exclusivamente no serviço devocional ao Senhor, sem interesses materiais. Portanto, sua vida se torna um sucesso completo, independente da situação social em que ele se encontra. Quer posicionado como um chefe de família ou um renunciado, quer seja rico ou pobre, nada disso importa, pois ele sempre utiliza sua energia ou bens materiais em prol da satisfação do seu Senhor adorável – e esta é a arte perfeita de todos os trabalhos. Ele não precisa se preocupar com a execução de austeridades severas ou complicados rituais védicos. De fato, caso tenha alcançado a compreensão espiritual correta e tenha desenvolvido interesse espontâneo em servir ao Senhor com verdadeira devoção pura, tal yogi estará situado numa condição perfeita, além de qualquer regra ou regulação contida nos próprios Vedas.

Pérolas 15. SINTOMAS DE UM TRANSCENDENTALISTA (versos 54 a 59)

54. Arjuna disse: Ó Krishna, quais são os sintomas daquele cuja consciência está absorta nessa transcendência? Como fala, e qual é sua linguagem? Como se senta e como caminha? 55. A Suprema Personalidade de Deus disse: Ó Partha, quando alguém desiste de todas as variedades de desejo de gozo dos sentidos, que surgem da invenção mental, e quando sua mente, assim purificada, encontra satisfação apenas no eu, então se diz que ele está em consciência transcendental pura. 56. Quem não deixa a mente se perturbar mesmo em meio às três classes de misérias, nem exulta quando há felicidade, e que está livre do apego, medo e ira, é chamado um sábio de mente estável. 57. No mundo material, quem não se deixa afetar pelo bem ou mal a que está sujeito a obter, sem louvá-los nem desprezá-los, está firmemente fixo em conhecimento perfeito. 58. Aquele que é capaz de retirar seus sentidos dos objetos dos sentidos, assim como a tartaruga recolhe seus membros para dentro da carapaça, está firmemente fixo em consciência perfeita. 59. A alma corporificada pode restringir-se do gozo dos sentidos, embora permaneça o gosto pelos objetos dos sentidos. Porém, interrompendo tais ocupações ao experimentar um gosto superior, ela se fixa em consciência.

Atinge a plataforma transcendental a pessoa que, além de ser capaz de distinguir entre os desejos materiais e espirituais, adquire força suficiente para não se deixar arrastar pelos impulsos dos sentidos materiais. Para isso, ela necessita ocupar-se em serviço devocional sem hesitação – isso irá mantê-la sempre feliz em sua posição natural eterna. Nesta sublime posição, tal pessoa nunca se perturba pelas dualidades materiais. Quando as dificuldades surgem, ela as aceita de bom grado. Ela admite que, devido aos seus maus feitos passados, seria merecedora de mais dificuldades. Ao mesmo tempo, quando está feliz, continua vendo tudo como misericórdia do Senhor, pois ela sempre se considera um servo que depende exclusivamente da Sua graça.
O mundo material é o mundo da dualidade. No entanto, ao se fixar em conhecimento, a pessoa passa a se interessar unicamente no Senhor, o Bem Absoluto, e nunca se afeta pela situação material, a qual é temporária e ilusória. Esta consciência espiritual faz com que tal pessoa tenha controle sobre seus sentidos, utilizando-os exclusivamente a serviço do Senhor. A ocupação espiritual dos sentidos resulta em experiências transcendentais, as quais oferecem prazeres espirituais muito superiores. Tal experiência de um prazer superior coloca tal pessoa numa posição extremamente segura e imperturbável. A consciência de Krishna é, portanto, tão maravilhosa que faz com que o gozo material dos sentidos se torne automaticamente desagradável.
Na plataforma material, as misérias são divididas em três categorias: as misérias causadas pelo próprio corpo ou mente materiais; as misérias causadas pelas perturbações impostas por outras entidades vivas; e as misérias causadas pelos fenômenos naturais, tais como calor ou frio excessivo, etc. No entanto, a pessoa transcendental não permite que tais manifestações materiais miseráveis interfiram em sua vida espiritual. Isto é possível pelo simples fato de que a pessoa transcendental não possui apego, ou seja, não vive em função de obter diferentes parafernálias ou condições adequadas para o gozo dos seus sentidos. Dedicada a servir ao Senhor, uma pessoa transcendental está muito além da plataforma sensual e sua vida está em permanente bem-aventurança, independente dos sucessos ou fracassos materiais, os quais são inevitáveis neste mundo. Em outras palavras, em vez de desperdiçar seu tempo com inúteis tentativas de evitar as misérias materiais ou com esforços constantes por obter o improvável sucesso material, uma pessoa transcendental é perfeitamente inteligente, pois utiliza seu precioso tempo unicamente em consciência de Krishna, permanecendo sempre indesviavelmente fixo em sua determinação espiritual. Ao mesmo tempo, tal pessoa está sempre atenta às condições externas que possam afetar sua consciência espiritual. Por isso, ela é comparada à tartaruga que, ao perceber qualquer perigo à sua volta, recolhe seus membros dentro da carapaça. Com esta analogia, o Senhor Krishna está nos indicando que devemos utilizar nossos sentidos unicamente em atividades transcendentais e, caso isto não seja possível, é melhor recolhê-los e novamente manifestá-los onde existam condições espirituais favoráveis.

Pérola 16. O CONTROLE DOS SENTIDOS (versos 60 a 72)

60. Os sentidos são tão fortes e impetuosos, ó Arjuna, que arrebatam à força mesmo a mente de um homem de discriminação que se esforça por controlá-los. 61. Aquele que restringe os sentidos, mantendo-os sob completo controle, e fixa sua consciência em Mim, é conhecido como homem de inteligência estável. 62. Enquanto contempla os objetos dos sentidos, a pessoa desenvolve apego a eles, e de tal apego se desenvolve a luxúria, e da luxúria surge a ira. 63. Da ira, surge completa ilusão, e da ilusão, a confusão da memória. Quando a memória está confusa, perde-se a inteligência, e ao perder a inteligência, cai-se de novo no poço material. 64. Mas quem está livre de todo o apego e aversão e é capaz de controlar seus sentidos através dos princípios reguladores com os quais se obtém a liberdade, pode receber a completa misericórdia do Senhor. 65. Para alguém que sente essa alegria, as três classes de misérias da existência material deixam de existir; nessa consciência jubilosa, a inteligência logo torna-se resoluta. 66. Quem não está vinculado ao Supremo não pode ter inteligência transcendental nem mente estável, sem as quais não há possibilidade de paz. E como pode haver alguma felicidade sem paz? 67. Assim como um vento forte arrasta um barco na água, mesmo um só dos sentidos errantes em que a mente se detenha pode arrebatar a inteligência de um homem. 68. Portanto, ó pessoa de braços poderosos, o indivíduo cujos sentidos são restringidos de seus objetos com certeza tem a inteligência estável. 69. Aquilo que é noite para todos os seres é a hora de despertar para o autocontrolado; e a hora de despertar para todos os seres é noite para o sábio introspectivo. 70. Só quem não se perturba com o incessante fluxo de desejos – que são como rios que entram no oceano, que está sempre sendo enchido mas nunca se agita – pode alcançar a paz, e não o homem que luta para satisfazer esses desejos. 71. Aquele que abandonou todos os desejos de gozo dos sentidos, que vive livre de desejos, que abandonou todo o sentimento de propriedade e não tem ego falso – só ele pode conseguir a paz verdadeira. 72. Este é o caminho da vida espiritual e piedosa, e o homem que a alcança não se confunde. Se, mesmo somente à hora da morte, ele atinge essa posição, pode entrar no reino de Deus.

Tanto nas escrituras védicas, quanto em outras escrituras do mundo, existem muitas histórias narrando a vida de grandes personalidades, yogis, sábios ou diferentes classes de espiritualistas, que fracassaram no intento de controlar seus sentidos. E agora, o motivo deste fracasso é explicado aqui pelo Senhor Krishna. Os sentidos são fortes e impetuosos e eles têm o poder de arrastar a mente de qualquer um – especialmente no que diz respeito ao impulso sexual. Deve-se entender, portanto, que sem uma ocupação constante nas atividades da consciência de Krishna é absolutamente impossível controlar os sentidos. Isto porque os sentidos exigem ocupações práticas, e se não estiverem ocupados em serviço devocional ao Senhor, certamente se ocuparão em atividades para desfrute material.
A verdade é que, enquanto habita um corpo material, a alma espiritual está numa condição bastante difícil, vivendo numa atmosfera plena de encantos criados pela energia ilusória. Os objetos dos sentidos materiais estão sempre tentando atrair os sentidos do ser corporificado. A situação do ser corporificado pode ser comparada a um submarino nas profundezas do oceano. O submarino tem de estar hermeticamente fechado, pois, caso haja um mínimo orifício, por menor que seja, o submarino afundará gradualmente. Do mesmo modo, vivendo nas profundezas deste oceano de ilusão material, os seres corporificados precisam ter o cuidado constante de fechar seus sentidos e não permitir que a energia ilusória penetre por eles e afunde sua consciência. Mas isto não significa que uma pessoa consciente de Krishna tenta evitar os objetos dos sentidos artificialmente, simplesmente negando-os ou reprimindo seus sentidos. Ela é inteligente o bastante para compreender que o segredo do controle dos sentidos é a arte de utilizar tudo no serviço ao Senhor, o que para ela é bastante natural, devido ao desenvolvimento de sua devoção. Portanto, ela nunca se torna vítima da consciência materialista e nunca cai na ilusão de julgar-se proprietário, controlador ou desfrutador da energia material.
Ao vincular ao Senhor todas as suas ocupações, a pessoa estabiliza sua inteligência e apazigua sua mente e sentidos. Perdendo o interesse por atividades mundanas, tal pessoa vive desperta para atividades transcendentais e sente grande prazer no avanço espiritual. Ela não tem necessidade de nada, pois o Senhor está sempre presente em sua mente e coração. Mesmo que, de algum modo, surjam desejos em sua mente, ela consegue manter-se imperturbável, devido à misericórdia do Senhor que recompensa o esforço de seu servo que tão sinceramente se ocupa em Seu serviço. Seu único desejo é tornar-se cada vez mais consciente de Krishna e esta fase perfeita é considerada a verdadeira ausência de desejos. Situada assim, tal pessoa nunca se esquece de que o Senhor é o único proprietário e que, portanto, tudo deve ser utilizado em Seu serviço amoroso. A entidade viva não pode existir sem desejos, nem pode existir sem sentimentos ou atividades. Portanto, estar sem desejos significa que não se reivindica falsamente a propriedade de algo. Este é o princípio básico e essencial para se alcançar a plataforma de verdadeira paz interior. 

Sementes Espaço Ponto de Luz Rosana Rodrigues
Rasalila Devi Dasi

ESTUDO DOS VEDAS (cont) - CAPÍTULO I

                                   Continuação ao Estudo dos Vedas - Capítulo I

CAPÍTULO I: Observando os Exércitos



Pérola 1. DURYODHANA ACREDITA NA VITÓRIA (versos 1 a 11)

1. Dhritarastra disse: Ó Sañjaya, que fizeram meus filhos e os filhos de Pandu depois que se reuniram no lugar de peregrinação em Kurukshetra, desejando lutar? 2. Sañjaya disse: Ó rei, após observar o exército disposto em formação militar pelos filhos de Pandu, o rei Duryodhana foi até seu preceptor e falou as seguintes palavras. 3. Ó meu mestre, olha o grande exército dos filhos de Pandu, tão habilmente organizado por teu inteligente discípulo, o filho de Drupada. 4. Aqui neste exército, estão muitos arqueiros heróicos que sabem lutar tanto quanto Bhima e Arjuna: grandes lutadores como Yuyudhana, Virata e Drupada. 5. Há também grandes combatentes heróicos e poderosos, tais como Dhristaketu, Chekitana, Kashiraja, Purujit, Kuntibhoja e Saibya. 6. Há o possante Yudhamanyu, o poderosíssimo Uttamauja, o filho de Subhadra e os filhos de Draupadi. Todos esses guerreiros lutam habilmente em suas quadrigas. 7. Mas para a tua informação, ó melhor dos brahmanas, deixa-me falar-te sobre os capitães que estão especialmente qualificados para conduzir minha força militar. 8. Há personalidades como tu, Bhisma, Karna, Kripa, Asvatthama, Vikarna e o filho de Somadatta chamado Bhurisrava, que sempre saem vitoriosos na batalha. 9. Há muitos outros heróis que estão preparados a sacrificar sua vida por mim. Todos eles estão bem equipados com diversas espécies de armas, e todos são experientes na ciência militar. 10. Nossa força é incomensurável, e estamos perfeitamente protegidos pelo avô Bhisma, ao passo que a força dos Pandavas, cuidadosamente protegida por Bhima, é limitada. 11. Todos deveis dar todo o apoio ao avô Bhisma, à medida que assumis vossos respectivos pontos estratégicos enquanto entrais na falange do exército.

Dhritarastra e Pandu eram irmãos, pois ambos haviam sido gerados pelo grande sábio Vyasadeva. A história do nascimento deles começa com um incidente ocorrido com o piedoso Maharaja Mahabhisheka.
Tendo abandonado seu corpo, Mahabhiseka alcançou os planetas celestiais. Ao visitar Satyaloka com o propósito de adorar o Senhor Brahma, Mahabhisheka encontrou-se com a bela deusa Ganga. Naquela atmosfera devocional, uma brisa fortuita levantou o vestido de Ganga, inspirando-o a lançar um olhar luxurioso para ela. Uma vez que Ganga Devi havia respondido ao olhar do rei com um leve sorriso, Brahma ficou indignado com a atitude deles e amaldiçoou-os a nascer na Terra. Não desejando vir a este planeta, Ganga Devi caiu aos pés do Senhor Brahma, pedindo seu perdão. Mas, Brahma disse a ela que somente depois de liberar os oito Vasus*, ela iria recuperar sua verdadeira posição. Desse modo, Mahabhiseka teve de nascer na Terra como Maharaja Santanu e obteve Ganga como sua esposa.
Enquanto caçava nas margens do rio Ganges, Santanu conheceu a linda donzela Ganga e imediatamente caiu de amor por ela, desejando-a como esposa. Ela aceitou tornar-se sua esposa na condição que ele não poderia se opor a qualquer coisa que ela fizesse. Caso contrário, ela partiria imediatamente para nunca mais voltar. Embora assustado com o que acabara de ouvir, Santanu concordou com Ganga, e eles se casaram.
Ganga mostrava ser uma esposa ideal. Dedicada e gentil, ela era querida por todos e parecia que eles formavam um casal perfeito. Logo uma bela criança nasceu, entretanto, de uma maneira cruel, Ganga pegou este filho e carregou-o até a beira do rio Ganges. Santanu ficou perplexo, mas, lembrando a promessa que fizera a Ganga, não podia contrariá-la. Desse modo, em grande desespero e calado, Santanu teve de assistir à sua querida esposa atirando dentro do rio Ganges a criança recém-nascida. Sete filhos nasceram e ela jogava um por um dentro do rio Ganges. Em grande desespero e incapaz de se controlar, após o nascimento do oitavo filho, Santanu tentou impedir Ganga de voltar a cometer semelhante crueldade. Embora tivesse concordado com Santanu, Ganga lembrou-o de que ele havia quebrado sua promessa e, como havia sido combinado, imediatamente partiu do palácio para a floresta, acompanhada de seu oitavo filho, o qual passou a chamar-se Devavrata.
Muitos anos se passaram e, novamente, Santanu Maharaja foi à beira do rio Ganges para caçar. Dessa vez, ele viu um lindo jovem parando o fluxo das águas, atirando uma fileira de flechas sobre toda a sua extensão. Sentindo-se atraído por ele, Santanu se aproximou e, naquele momento, Ganga Devi apareceu novamente diante do rei. Entendendo que o menino era o seu querido filho, Santanu, dirigindo-se a Ganga, pediu-o de volta e levou-o para o seu palácio, enquanto Ganga desapareceu para sempre.
Santanu ficou muito feliz com a companhia de seu querido e qualificado filho, pois o jovem e maravilhoso Devavrata possuía beleza indescritível e havia sido educado em todos os ramos de conhecimento dos Vedas pelo poderoso sábio Vashistha. Desse modo, todos, e especialmente Santanu, estavam muito felizes, pois agora o reino possuía um herdeiro verdadeiramente qualificado.
Um dia, novamente enquanto caçava na floresta, Santanu sentiu um doce aroma de almíscar no ar que exalava do corpo da bela jovem chamada Satyavati*, a qual era a filha de um pescador. Sentindo-se completamente encantado por ela, Santanu aproximou-se de seu pai e pediu-a em casamento. Mas o valente pescador não cedeu ao pedido do rei imediatamente, pois ele explicou que sua filha havia recebido uma bênção do grande sábio Parashara Muni de que o filho dela herdaria o trono real. Ele também acrescentou que Santanu já tinha Devavrata como filho e este seria o herdeiro do trono. Incapaz de encontrar solução para o problema, Santanu voltou para o palácio, sentindo muita tristeza e depressão por não poder se casar com a bela Satyavati. Desde então, Santanu perdeu o interesse pela vida e preferia permanecer em sua cama, passando o tempo na solidão.
Preocupado com a condição de seu pai, Devavrata aproximou-se dos seus ministros, os quais contaram todos os pormenores da causa da lamentação de seu pai. Imediatamente indo até o pescador, Devavrata pediu para que ele permitisse que sua filha se casasse com seu pai. Tendo ouvido as condições impostas pelo pescador, Devavrata decidiu imediatamente renunciar ao reino. Desse modo, o filho de Satyavati se tornaria o herdeiro do trono. No entanto, o pescador ainda não estava satisfeito. Sendo muito inteligente e perspicaz, ele mencionou que, ainda assim, no futuro poderia haver uma grande disputa pelo trono entre o filho de Satyavati e o filho de Devavrata. Neste caso, num gesto de completa fidelidade a seu pai, Devavrata se levantou e, com as mãos postas, fez um voto solene de castidade, garantindo ao pescador que nunca iria se casar! Neste momento, os semideuses lançaram do céu uma chuva de flores, enquanto declararam impressionados que, a partir daquele momento, Devavrata deveria ser chamado de Bhisma, ou seja: “Aquele que fez um voto terrível”. Ficando satisfeito, o pescador finalmente concordou em dar a mão de sua filha a Santanu.
Devavrata, agora conhecido como Bhisma, levou Satyavati para o palácio e entregou-a a seu pai. Ao saber dos detalhes sobre o que havia acontecido, Santanu Maharaja ficou muito satisfeito com o seu filho e o abraçou com lágrimas de gratidão e orgulho, dando-lhe a bênção de que ele só iria morrer quando quisesse.
Do casamento de Santanu e Satyavati nasceram Vichitravirya e Chitrangada, sendo este último coroado como rei. No entanto, o jovem rei foi morto por um Gandharva de mesmo nome, deixando o trono para seu irmão Vichitravirya. Bhisma estava preocupado com a continuidade da dinastia e, por isso, queria que seu jovem irmão Vichitravirya se casasse o mais rápido possível. Ouvindo que o momento da cerimônia svayamvara (a cerimônia da escolha do esposo) das três filhas do rei de Kashi havia chegado, Bhisma se dirigiu até lá. Como ele já era um pouco idoso e tinha a fama de ter feito um voto de castidade, os outros reis tentaram impedi-lo de participar da cerimônia. Depois de derrotar vários reis como Salva, Bhisma heroicamente raptou as três filhas do rei de Kashi e levou-as em sua carruagem para o palácio de Vichitravirya. Com sua chegada, portanto, foram feitas as preparações para o casamento de Vichitravirya com as três princesas que se chamavam Amba, Ambika e Ambalika. Então, Amba aproximou-se de Bhisma e disse-lhe que ela já havia entregado seu coração ao rei Salva. Bhisma, então, permitiu que ela retornasse para casa e fosse procurar Salva. Assim sendo, Vichitravirya casou-se com Ambika e Ambalika. Depois de reinar por sete anos, Vichitravirya acaba morrendo sem deixar nenhum herdeiro, criando mais uma grande crise na dinastia.
Depois disso, Satyavati aproximou-se de Bhisma e pediu para que ele gerasse uma criança numa das esposas de seu falecido irmão, mas Bhisma manteve-se firme e decidido a não quebrar sua promessa. Então, Satyavati contou-lhe que quando era bastante jovem teve com Parashara Muni um filho cujo nome era Vyasadeva, e sugeriu trazê-lo para gerar filhos nas viúvas de Vichitravirya. Na verdade, Vyasadeva era um sábio muito famoso e poderoso e levava uma vida retirada, praticando austeridades e penitências nas montanhas dos Himalayas. Bhismadeva imediatamente concordou com a idéia, vendo a possibilidade de dar continuidade à dinastia de seu pai. Tendo sido solicitado, Vyasadeva concordou com a proposta e desceu das montanhas Himalayas para satisfazer o pedido de sua querida mãe. No entanto, devido às suas severas penitências, seu aspecto era assustador. Seus cabelos e barba eram longos e desgrenhados e suas unhas eram enormes. Ao aproximar-se de Ambika para gerar um filho, ela ficou bastante assustada e fechou os olhos durante o intercurso sexual. Desta união, nasceu Dhritarastra, um rei muito forte e poderoso. Entretanto, como Ambika havia fechado seus olhos no momento da união com Vyasa, Dhritarastra nasceu cego. Chegou, portanto, a vez de Ambalika ser chamada para conceber um filho com o sábio Vyasa. Sabendo do que havia acontecido com sua irmã, Ambalika estava muito assustada e manteve seus olhos bem abertos durante o ato sexual. O resultado desta união foi o nascimento do poderoso Pandu, o qual nasceu excessivamente pálido, devido à condição assustada de sua mãe na hora de sua concepção. Ao crescerem, Dhritarastra casou-se com Gandhari, ao passo que Pandu casou-se com Kunti e Madri.
Com a bênção de Vyasa, da união de Dhritarastra e Gandhari, nasceram cem filhos, encabeçados pelo malévolo Duryodhana*, enquanto Pandu teve cinco filhos com suas esposas, os quais ficaram famosos como Pandavas. Embora fosse mais velho do que Pandu, Dhritarastra foi excluído da herança do reino devido à sua cegueira. Desse modo, Pandu foi coroado rei. No entanto, seu reinado durou muito pouco e, antes mesmo de ter filhos, Pandu recebeu uma terrível maldição que ele seria morto no momento que ele se entregasse ao ato sexual. Desse modo, Pandu abandonou o reino e, acompanhado de suas duas esposas, foi viver na floresta executando austeridades. Vendo que novamente a dinastia estava ameaçada, uma de suas esposas, a gloriosa Kunti Devi, revelou que havia recebido a bênção do grande sábio Durvasa Muni de invocar qualquer semideus que desejasse para, deste modo, gerar filhos com ele. Portanto, a pedido de Pandu, Kunti foi capaz de gerar três filhos gloriosos. Primeiro Kunti invocou Dharma, o semideus da religião, gerando assim um virtuosíssimo filho. Logo que nasceu, uma voz divina disse: “Esta criança será chamada Yudhisthira e será gloriosa, determinada, renunciada e famosa nos três mundos!” Pandu desejava também um filho de grande força física. Portanto, Kunti invocou Vayu, o semideus do vento. Tendo se unido com ele, uma criança muito poderosa foi gerada. Ao nascer, a mesma voz sobrenatural disse: “Esta criança será o mais forte dentre os homens!” Em seguida, Kunti invocou Indra, o rei dos céus, e concebeu mais uma linda criança. Desta vez, a voz celestial vibrou: “Ó Kunti, esta criança será tão forte como Kartavirya e Shibi, e, como o próprio Indra, será invencível na batalha. Sua fama espalhar-se-á por todos os lugares e ele obterá armas divinas”. Subsequentemente, Madri, a segunda esposa de Pandu, gerou dois filhos: Nakula e Sahadeva. Estes cinco filhos – Yudhisthira, Bhima, Arjuna, Nakula e Sahadeva – ficaram conhecidos como Pandavas.
Desde a época em que Pandu havia ido para a floresta, Dhritarastra havia assumido temporariamente o reino, até que Yudhisthira atingisse a idade apropriada para assumir o trono. Entretanto, como resultado da maldição que havia recebido, Pandu morreu antes que seu filho mais velho fosse entronizado e os Pandavas ficaram sob os cuidados de Kunti Devi, uma vez que Madri havia renunciado sua vida, entrando na pira funerária juntamente com seu esposo. Depois disso, os Pandavas foram levados para Hastinapura e foram criados à maneira real sob os cuidados de Dhritarastra.
Portanto, como depois da morte de seu pai os Pandavas viveram sob o completo abrigo de Dhritarastra, eles também deveriam ser considerados como filhos diretos de Dhritarastra. No entanto, fica bastante explícito aqui no começo do Bhagavad-gita que, infelizmente, Dhritarastra limitava seu interesse apenas em seus filhos, não se considerando responsável de por proteção a filhos de seu irmão Pandu. Em condições normais, tal comportamento por parte de Dhritarastra não fazia o menor sentido, uma vez que tanto seus filhos quanto os filhos de seu falecido irmão sempre viveram juntos no mesmo palácio onde estudaram e aprenderam as ciências militares, políticas, etc.
O verdadeiro problema era que a cegueira de Dhritarastra também se manifestava na vida espiritual. Especialmente seu filho mais velho, Duryodhana, havia herdado dele esta mesma cegueira espiritual e não queria conviver amistosamente com seus primos-irmãos, os Pandavas. Ele não conseguia tolerar o fato de que seus primos, encabeçados por Yudhisthira, deveriam ser coroados como sucessores do reino dos Kurus. Sedentos de poder, os invejosos filhos de Dhritarastra criaram uma situação insustentável, a qual acabou culminando na grande Batalha de Kurukshetra.
É igualmente importante verificarmos a grande preocupação de Dhritarastra pelo resultado desta batalha. Em seu íntimo, ele podia compreender que a tentativa de seus filhos de usurparem o reino de seus primos era ilícita e, por conseguinte, estava destinada ao fracasso. Ao citar que a batalha aconteceria em Kurukshetra, um lugar de peregrinação, ele estava indiretamente perguntando a seu secretário Sañjaya* se, de fato, a influência do lugar favoreceria os Pandavas que eram seguidores estritos do dharma. Como resposta, Sañjaya inicia a descrição da situação no campo de Kurukshetra, transmitindo primeiramente o diálogo entre Duryodhana e seu mestre de armas, Dronacharya.
Como um materialista cobiçoso e obstinado, Duryodhana estava pensando que a força de seu exército era superior. Ele não podia compreender que o Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, estando ao lado de Arjuna, definia completamente a vitória para o lado dos Pandavas, os quais, além de altamente qualificados, se sentiam plenamente dependentes e confiantes na misericórdia do Senhor.
*VASUS: Certa vez, a esposa de Dyau, um dos oito Vasus, estava perambulando pela floresta e viu a vaca Nandini pastando com seu bezerro perto do ashram de Vasistha Muni. Atraída pela beleza e pelos poderes divinos que o animal possuía, ela desejou obter esta vaca para presenteá-la à sua amiga Jitavati, a filha do rei Ushinara. Deste modo, ela informou seu esposo Dyau sobre seu desejo e, no dia seguinte, quando o sábio Vasistha estava ausente, os oito Vasus roubaram Nandini com seu bezerro. Quando Vasistha retornou ao ashram, tanto Nandini quanto seu bezerro haviam desaparecido e, com seus olhos místicos de grande yogi, ele pôde entender a razão disto. Desse modo, ele amaldiçoou os Vasus a nascerem na Terra, e, quando eles imploraram pelo seu perdão, Vasistha Muni decidiu diminuir a maldição, dizendo-lhes que, ainda assim, eles teriam de simplesmente nascer na Terra para imediatamente morrer e voltar para os planetas celestiais. Ao mesmo tempo, o sábio disse que Dyau sozinho, o qual havia liderado o roubo de Nandini, deveria viver na Terra por um longo período antes de retornar aos planetas celestiais.
*SATYAVATI: Ao contemplar a união de dois animais, certa vez enquanto caçava, o rei Uparicharavasu ejaculou seu poderoso sêmen. O rei então enviou seu sêmen à rainha, mas, no caminho, o sêmen caiu no rio Ganges e foi comido por um peixe, o qual era a jovem celestial Adrika que havia sido amaldiçoada a nascer como um peixe. Adrika ficou grávida e foi capturada por um pescador que, ao abrir a barriga do peixe, encontrou um menino, o qual foi entregue ao rei, e uma menina, que foi criada por ele. Seu nome era Satyavati, mas, por que tinha cheiro (gandha) de peixe (matsya), a bela menina ficou conhecida como Matsya-gandha. Crescendo sob os cuidados do pescador, Matsya-gandha ajudava-o a atravessar as pessoas para a outra margem do Ganges. Numa ocasião, o sábio Parashara desejou ir para a outra margem do rio. A pedido de seu pai, Matsya-gandha, a qual já havia se tornado uma jovem mulher, começou a remar, sentada em frente a ele. A beleza da donzela combinada com as ondas do rio atraiu sexualmente o sábio Parashara, que veio sentar-se perto dela. Assustada, Matsya-gandha afastou-se e pediu humildemente que não violasse sua castidade. O poderoso sábio então formou um nevoeiro em volta do barco e criou uma pequena ilha no meio do rio. Neste momento, o cheiro de peixe desapareceu e um doce aroma de almíscar surgiu do corpo da donzela. Dando-lhe a garantia de que ela não perderia sua virgindade, o sábio concebeu uma criança no ventre de Satyavati e disse: “Ó gloriosa Satyavati! Uma porção plenária de Vishnu virá como teu filho. Ele será puro, famoso nos três mundos, altamente erudito e o mestre do mundo todo e será conhecido como Vyasadeva!”
*DURYODHANA: Quando menina, Gandhari havia recebido uma bênção do Senhor Shiva de conceber cem filhos. Embora fosse uma das mais belas moças daquela época, quando ficou sabendo que seu futuro esposo seria o cego Dhritarastra, a casta Gandhari voluntariamente decidiu cobrir seus olhos com tiras de seda. Gandhari logo ficou grávida de Dhritarastra, mas, passados dois anos, ela ainda não havia dado à luz. Neste ínterim, a esposa de Pandu, Kunti Devi, concebeu Yudhisthira como filho, o que provocou a inveja de Gandhari. Desse modo, Gandhari ficou irada e deu uma pancada em seu próprio abdômen, provocando o aborto de um amontoado de carne. O sábio Vyasadeva se propôs a ajudá-la e aconselhou-a a dividir o amontoado em cem partes. Cada uma das partes se desenvolveu até se tornar um menino e, assim, sua ambição de ser mãe de cem filhos foi satisfeita. O filho mais velho foi chamado de Duryodhana, o qual, no momento do nascimento, emitiu um grito terrível que era exatamente como um choro de um asno e, ao ouvirem-no, os outros asnos também gritaram, produzindo um som demoníaco. Ao mesmo tempo, os chacais uivavam, pássaros como os corvos e abutres choravam e uma forte tempestade testemunhava a terrível ocasião. Alarmado pelos maus presságios, Dhritarastra enviou seu filho aos brahmanas e outros benquerentes como Bhisma e Vidura e perguntou a eles se seu filho poderia se tornar rei depois da morte de Yudhisthira. Novamente, os maus presságios se manifestaram como testemunhas. Depois de madura consideração, Vidura e os brahmanas eruditos responderam que, devido ao nascimento de Duryodhana, toda a região e seu povo seriam arruinados e que Dhritarastra deveria abandonar a criança. Evidentemente, devido à afeição paternal, Dhritarastra não foi capaz de tomar esta atitude.
*SAÑJAYA: Tendo nascido nos círculos de amigos dos Kauravas, Sañjaya tornou-se ministro de Dhritarastra e recebeu uma grande bênção de Vyasadeva. Quando Vyasa foi visitar Dhritarastra, os exércitos dos Kauravas e dos Pandavas estavam se preparando para a batalha. Dhritarastra estava ansioso, mas, como era cego, estava impossibilitado de ir ao campo de Kurukshetra e observar os acontecimentos por si só. Desse modo, Vyasa chamou Sañjaya e, dando-lhe uma visão divina interior, abençoou-o a ver todos os eventos da batalha diretamente dentro do coração e narrá-los para Dhritarastra.

Pérola 2. O SOAR DOS BÚZIOS (versos 12 a 19)

12. Então Bhisma, o grande e valente patriarca da dinastia Kuru, o avô dos combatentes, soprou seu búzio bem alto, produzindo um som parecido com o rugido de um leão, dando alegria a Duryodhana. 13. Depois disso, os búzios, tambores, clarins, trombetas e cornetas soaram todos de repente, produzindo um som tumultuoso. 14. No outro lado, o Senhor Krishna e Arjuna, acomodados numa grande quadriga puxada por cavalos brancos, soaram seus búzios transcendentais. 15. O Senhor Krishna soprou Seu búzio, chamado Panchajanya; Arjuna soprou o seu, o Devadatta; e Bhima, o comedor voraz que executa tarefas hercúleas, soprou seu aterrador búzio, chamado Paundra. 16-18. O rei Yudhisthira, filho de Kunti, soprou seu búzio, o Anantavijaya, e Nakula e Sahadeva sopraram o Sugosha e Manipuspaka. Aquele grande arqueiro, o rei de Kashi, o grande lutador Sikhandi, Dhristadyumna, Virata, o invencível Satyaki, Drupada, os filhos de Draupadi, e os outros, ó rei, tais como o poderoso filho de Subhadra, todos sopraram seus respectivos búzios. 19. O som arrancado destes diferentes búzios tornou-se estrondoso. Vibrando no céu e na terra, ele abalou os corações dos filhos de Dhritarastra.
Embora os Pandavas e os Kauravas realmente fossem se confrontar em Kurukshetra para decidir quem iria governar a Terra, ao mesmo tempo, a batalha também possuía seus aspectos esotéricos, e estava repleta de significados ocultos. Por exemplo, Krishna é conhecido como Partha-sarathi porque aceitou atuar como o quadrigário de Arjuna. Analogamente, nosso corpo material é também comparado a uma quadriga arrastada por cinco cavalos, os cinco sentidos. Neste exemplo, nossa mente é comparada às rédeas desta quadriga e a inteligência é comparada ao quadrigário ou condutor. Portanto, a alma está simplesmente na posição de passageiro deste corpo material, ou quadriga. Isto significa que, ao aceitar atuar como quadrigário de Seu amigo e devoto Arjuna, o Senhor Krishna estava indicando que não iria simplesmente conduzir a sua quadriga propriamente dita. O Senhor Krishna previu que Arjuna teria de enfrentar sérios problemas com seus “cavalos” dos sentidos, e, devido a afeição que sentia por Arjuna, queria ajudá-lo a conduzir corretamente seus sentidos. Em outras palavras, assim como Partha-sarathi é o nome de Krishna que O indica como o condutor de Arjuna, ao ser chamado de Hrishikesha, o Senhor Krishna confirma que, como Inteligência Suprema, Ele é o condutor dos sentidos, ou cavalos, dos Seus devotos, que estão temporariamente como passageiros neste corpo material, ou quadriga, lutando arduamente com seus próprios inimigos internos, tais como a cobiça, a luxúria e a ira.
A batalha estava prestes a começar. Sañjaya descreve os guerreiros soprando suas conchas, indicando que estavam prontos para o seu início. Primeiramente, ele procura animar Dhritarastra, comparando o som produzido pela concha do avô Bhisma com um poderoso rugido de um leão. No entanto, logo que os búzios de Krishna e Arjuna foram soprados, Sañjaya os chama de búzios transcendentais. Tal diferença entre a descrição do búzio soprado por Bhisma e, por outro lado, dos búzios soprados por Krishna e Arjuna, simplesmente servia como uma forte indicação de que a vitória estava ao lado de Arjuna, que aceitou que seu amigo e companheiro, Krishna, Hrishikesha, ou “o Senhor dos sentidos”, atuasse como seu quadrigário.

Pérola 3. ARJUNA OBSERVA OS EXÉRCITOS (versos 20 a 27)

20. Naquele momento, Arjuna, o filho de Pandu, sentado na quadriga que portava a bandeira na qual estava estampada a marca de Hanuman, pegou do seu arco e preparou-se para disparar suas flechas. Ó rei, após ver os filhos de Dhritarastra dispostos em formação militar, Arjuna então dirigiu ao Senhor Krishna estas palavras. 21-22. Arjuna disse: Ó infalível, por favor, coloca minha quadriga entre os dois exércitos para que eu possa ver as pessoas aqui presentes, que desejam lutar, e com quem devo me digladiar neste grande empreendimento bélico. 23. Deixa-me ver aqueles que vieram aqui para lutar, desejando agradar ao mal-intencionado filho de Dhritarastra. 24. Sañjaya disse: Ó descendente de Bharata, tendo recebido de Arjuna essa determinação, o Senhor Krishna conduziu a magnífica quadriga para o meio dos exércitos de ambos os grupos. 25. Na presença de Bhisma, de Drona e de todos os outros comandantes do mundo, o Senhor disse: Simplesmente observa, Partha, todos os Kurus aqui reunidos. 26. Foi então que Arjuna pôde ver, no meio dos exércitos em ambos os grupos, seus pais, avós, mestres, tios maternos, irmãos, filhos, netos, amigos e também seus sogros e benquerentes. 27. Ao ver todas essas diferentes categorias de amigos e parentes, o filho de Kunti, Arjuna, ficou dominado pela compaixão e falou as seguintes palavras.

Ao ver seus parentes e benquerentes prontos para se digladiarem com ele, Arjuna ficou completamente dominado pela compaixão. As conchas já haviam sido sopradas e a batalha estava a ponto de começar, mas, ainda assim, Arjuna queria pela última vez contemplar o exército adversário, que era composto por pessoas conhecidas por ele. Como representante do exército dos piedosos, Arjuna não tinha o menor desejo de lutar com seus primos, mas, infelizmente, apesar de todas as tentativas de reconciliação, os Pandavas foram forçados a ir ao Campo de Batalha de Kurukshetra devido à obstinação de Duryodhana, que nunca aceitou acordos pacíficos. Pelo contrário, Duryodhana, como representante do exército dos impiedosos, juntamente com seu tio Shakuni e seu pai Dhritarastra, engendrou grandes planos maquiavélicos para usurpar o reino dos Pandavas. No entanto, como um grande devoto puro do Senhor, Arjuna não guardava a menor mágoa de seus primos.
Como Superalma de todas as entidades vivas, o Senhor Krishna sabia o que se passava na mente de Seu devoto e, embora fosse o Senhor Supremo, Krishna apreciava Se ocupar a serviço de Seu devoto. Isto revela que o relacionamento amoroso entre o Senhor e Seus devotos é encantador. O devoto está sempre absorto em prestar serviço a seu Senhor adorável e, por Sua vez, o Senhor está sempre procurando oportunidades para prestar serviços amorosos aos Seus devotos. Na verdade, é dito que o Senhor sente mais prazer em prestar serviço a Seus devotos do que ser servido por eles. Obviamente, isto também acontece com os devotos. No entanto, é importante ressaltar que, como a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Krishna não necessita ser o cumpridor das ordens de ninguém. Se Ele o faz, devemos compreender que isto é simplesmente um aspecto de Sua personalidade transcendental que é plena de qualidades. Portanto, do mesmo modo que um pai presta serviço a seu filho querido e sente prazer em fazê-lo, o Senhor pode, a Seu bel-prazer, assumir a posição de um servo prestativo de Seu devoto. Por que não? Devido à Sua misericórdia e afeição amorosa para com Seus devotos, isto se torna completamente possível.
Existe uma bela história em relação à figura de Hanuman na bandeira de Arjuna. Certa vez, durante uma viagem, Arjuna ficou muito surpreso ao ver um represa que havia sido construída de Ramesvara até Lanka pelo Senhor Ramachandra. Entretanto, ele achou que não foi totalmente apropriado por parte do Senhor Rama ter solicitado a ajuda dos macacos para construir a represa, pois Ele poderia ter simplesmente utilizado Suas próprias flechas. Arjuna colocou a questão para um grande erudito que estava próximo dali lendo o Ramayana, mas nem o erudito e nem outros brahmanas que estavam lá puderam dar uma resposta convincente para Arjuna. Então, uma macaco ainda filhote apareceu para Arjuna e disse com orgulho que uma represa feita de flechas teria se quebrado quando os macacos fossem andar nela. Arjuna então disse: “Não, não, nenhum macaco seria capaz de quebrar uma represa feita pelas flechas de Rama. Que macaco seria capaz de quebrar uma represa feita por mim?” Então, o macaco e Arjuna fizeram uma aposta. Ficou combinado que, se o macaco quebrasse uma represa feita por Arjuna, Arjuna teria de acabar com sua vida, jogando-se no fogo. Por outro lado, se o macaco não conseguisse quebrar a represa, ele se tornaria um escravo de Arjuna. Arjuna construiu uma represa com flechas e rapidamente o macaco quebrou-a com seus pés. Arjuna tentou novamente e o macaco mais uma vez não teve grande dificuldade em quebrá-la. Desse modo, não havia outra alternativa para Arjuna a não ser se lançar dentro do fogo e abandonar sua vida. Antes de fazer isso, porém, um menino brahmana apareceu e disse para Arjuna que sua auto-aniquilação não deveria ser considerada válida. Ele então sugeriu que Arjuna tentasse de novo e ele atuaria como árbitro. A sugestão do menino foi aceita. E o filhote de macaco tentou em vão quebrar a represa feita novamente por Arjuna. O macaco então desenvolveu seu corpo até o tamanho de uma montanha e se atirou em cima das flechas de Arjuna, mas, ainda assim, sua tentativa foi malsucedida. Neste momento, compreendendo o que estava acontecendo, ele correu até o menino que atuava como árbitro e caiu aos Seus pés chorando: “Ó Ramachandra”. Naquele mesmo momento, Arjuna também prostrou-se perante o menino, chorando e dizendo: “Ó querido Krishna, ó escravo dos Teus devotos”. O menino então pediu para que ambos se aproximassem. Ele também pediu ao macaco (o qual era na verdade Hanuman) honrar sua palavra, mantendo-se como um emblema na bandeira de Arjuna.

Pérola 4. ARJUNA MANIFESTA LAMENTAÇÃO E COMPAIXÃO (versos 28 a 35)

28. Arjuna disse: Meu querido Krishna, vendo diante de mim meus amigos e parentes com esse espírito belicoso, sinto os membros do meu corpo tremer e minha boca secar. 29. Todo o meu corpo está tremendo, meus pêlos estão arrepiados, meu arco Gandiva está escorregando da minha mão e minha pele está ardendo. 30. Já não sou capaz de continuar aqui. Estou esquecendo-me de mim mesmo e minha mente está girando. Parece que tudo traz infortúnio, ó Krishna, matador do demônio Keshi. 31. Não consigo ver qual o bem que decorreria da morte de meus próprios parentes nesta batalha, nem posso eu, meu querido Krishna, desejar alguma vitória, reino ou felicidade subseqüentes. 32-35. Ó Govinda, que nos adiantam um reino, felicidade ou até mesmo a própria vida quando todos aqueles em razão de quem somos impelidos a desejar tudo isto estão agora enfileirados neste campo de batalha? Ó Madhusudana, quando mestres, pais, filhos, avós, tios maternos, sogros, netos, cunhados e outros parentes estão prontos a abandonar suas vidas e propriedades e colocam-se diante de mim, por que deveria eu querer matá-los, mesmo que, por sua parte, eles sejam capazes de matar-me? Ó mantenedor de todas as entidades vivas, não estou preparado para lutar com eles, nem mesmo em troca dos três mundos, muito menos desta Terra. Que prazer obteremos em matarmos os filhos de Dhritarastra?

Como discutimos anteriormente, Arjuna era um verdadeiro devoto do Senhor, uma pessoa piedosa cheia de qualidades santas. Por isso, ao perceber a destruição inevitável que estava por vir, Arjuna ficou completamente transtornado. Embora fosse extremamente forte, os membros de seu poderoso corpo de guerreiro começaram a tremer e sua fraqueza foi tão grande que ele foi incapaz de manter-se segurando suas armas. Uma batalha significa muitas mortes, e morte significa a perda do próprio corpo e, especificamente na situação de Arjuna, a perda de outros corpos que estavam ligados a ele por afeição familiar. Diante desta difícil realidade, Ele ficou dominado pelo sentimento de medo. Subitamente sua boca secou, sua pele começou a arder e sua mente começou a girar. Tais características são típicas de uma pessoa absorta na concepção de vida material. No entanto, é sempre bom lembrar que tudo isto aconteceu pela vontade suprema de Krishna que desejou que Arjuna, naquele momento, representasse o papel de uma pessoa que estava ignorando seu verdadeiro eu. Dando-nos o exemplo de uma pessoa excessivamente consciente de suas relações corpóreas, Arjuna esqueceu que a Suprema Personalidade de Deus estava do seu lado no campo de batalha, tornando tudo absolutamente auspicioso. Em outras palavras, todos os guerreiros envolvidos nesta batalha receberiam um benefício espiritual incomparável, pois, ao morrer na presença direta do Senhor Krishna, todos teriam garantida a sua libertação espiritual. A realidade é que a presença do Senhor no campo de batalha trouxe unicamente benefícios para todos os que estavam presentes. Portanto, o Senhor é sempre absolutamente bom e não devemos pensar que, como amigo íntimo de Arjuna, Krishna estava pensando apenas em seu bem-estar. É importante compreender que o Senhor Krishna foi igualmente misericordioso com o grupo oposto que alcançou a máxima perfeição da vida por abandonarem seus corpos materiais, contemplando pessoalmente o Senhor na hora da morte.

Pérola 5. ARJUNA APRESENTA SUAS DÚVIDAS (versos 36 a 46)

36. O pecado nos dominará se matarmos tais agressores. Portanto, não convém matarmos os filhos de Dhritarastra e nossos amigos. Que ganharíamos, ó Krishna, esposo da deusa da fortuna, e como poderíamos ser felizes, matando nossos próprios parentes? 37-38. Ó Janardana, embora estes homens, com seus corações dominados pela cobiça, não achem errado matar a própria família ou brigar com os amigos, por que deveríamos nós, que entendemos ser crime destruir uma família, ocupar-nos nestes atos pecaminosos? 39. Com a destruição da dinastia, a tradição eterna da família extingue-se, e assim o resto da família se envolve em irreligião. 40. Quando a irreligião é preeminente na família, ó Krishna, as mulheres da família se poluem, e da degradação feminina, ó descendente de Vrishni, vem progênie indesejada. 41. Um aumento de população indesejada decerto causa vida infernal tanto para a família quanto para aqueles que destroem a tradição familiar. Os ancestrais dessas famílias corruptas caem, porque os rituais através dos quais se lhes oferecem alimento e água são inteiramente interrompidos. 42. Pelas más ações daqueles que destroem a tradição familiar, e acabam dando origem a crianças indesejadas, todas as espécies de projetos comunitários e atividades para o bem-estar da família entram em colapso. 43. Ó Krishna, mantenedor do povo, eu ouvi através da sucessão discipular que aqueles que destroem as tradições familiares sempre residem no inferno. 44. Ai de mim! Como é estranho que estejamos nos preparando para cometer atos extremamente pecaminosos. Levados pelo desejo de desfrutar da felicidade régia, estamos decididos a matar nossos próprios parentes. 45. Para mim, seria melhor que os filhos de Dhritarastra, de armas na mão, matassem-me no campo de batalha, desarmado e sem opor resistência. 46. Sañjaya disse: Arjuna, tendo falado essas palavras no campo de batalha, pôs de lado seu arco e flechas e sentou-se na quadriga, com sua mente dominada pelo pesar.

Arjuna era um verdadeiro kshatriya (guerreiro) e tinha todo o direito de exterminar os agressores. No entanto, uma vez que se tratava de seus parentes, ele preferia não tomar as medidas habituais. Isto mostra, mais uma vez, que Arjuna não era uma pessoa comum, pois sua preocupação em não cometer injustiças com seus primos destacava-se como um verdadeiro sinal de suas qualidades santas. Como um guerreiro, Arjuna deveria seguir seu dharma e prosseguir na luta para não correr o risco de ser considerado um covarde, principalmente naquele momento delicado, quando a proteção espiritual de todo um Estado dependia de sua firmeza na batalha. Em outras palavras, não era correto que Arjuna agisse como uma pessoa santa e perdoasse seus primos, caso tal atitude fosse comprometer todo o futuro do mundo que, desta maneira, iria receber a influência negativa de uma liderança demoníaca. De fato, seus interesses pessoais deveriam ser sacrificados em prol de uma causa muito superior.
De qualquer modo, é louvável o fato de Arjuna ser uma pessoa consciente e preocupada com o bem-estar de todos. Além de considerar a batalha entre parentes por si só um ato pecaminoso, Arjuna previa, além disso, uma série de resultados terríveis. Sua primeira preocupação era que, ao destruir a dinastia dos Kurus, a tradição da família extinguir-se-ia também, fazendo com que o resto da família passasse a se envolver em atos irreligiosos. Na verdade, tais argumentos de Arjuna são extremamente válidos. No sistema védico social e espiritual, os membros mais velhos das famílias possuem grandes responsabilidades. Neste sistema, os membros mais velhos têm a função de outorgar orientações morais e espirituais para ajudar os membros mais jovens da família a obterem uma boa formação e alcançarem verdadeiros valores espirituais. Portanto, com a morte de tais membros, sem a tradição moral e espiritual da família, ocorreria a interrupção de tal processo educacional e, assim, Arjuna previa o consequente desenvolvimento de hábitos irreligiosos por parte dos membros mais novos da família.
A próxima consideração de Arjuna era com as mulheres. Na verdade, a saúde física, moral, emocional e espiritual da população forma a base para uma sociedade humana pacífica e próspera, tanto material quanto espiritualmente. E, para que isto seja possível, o papel exercido pelas mulheres é fundamental. Numa família verdadeiramente religiosa, a responsabilidade das mulheres como mães e educadoras é indispensável. E, uma vez que o desempenho perfeito desse papel constitui a base da saúde moral da população, existe uma preocupação autêntica em dar-lhes sempre proteção, não permitindo que elas tenham que conviver livremente com homens irresponsáveis. Infelizmente, nos dias de hoje, as mulheres não recebem a devida proteção e, como resultado inauspicioso disto, existe uma convivência livre entre homens e mulheres inconsequentes. Devido a tal associação irreligiosa e ilícita, crianças indesejáveis proliferam, que crescem carentes de uma devida educação e carinho, o que causa uma vida infernal para a nossa humanidade atual. Portanto, para que uma sociedade humana seja realmente próspera e pacífica, a qualidade da população é uma preocupação fundamental e isto está intimamente ligado às qualidades de castidade e devoção das mães. Por esta série de considerações, Arjuna chegou à conclusão que tratava-se de um ato extremamente pecaminoso matar os parentes com o propósito de desfrutar da felicidade material. Por isso, ele revelou a seu amigo, o Senhor Krishna, que preferia até ser morto no campo de batalha sem reagir contra o ataque dos filhos de Dhritarastra. No início do Capítulo Dois, iremos verificar que Arjuna realmente encontrava-se numa situação extremamente difícil e delicada e, devido à sua atitude devocional humilde, ele pôde receber a graça do Senhor Krishna que bondosamente aceitou atuar como seu guru, ou mestre espiritual.
Definitivamente, Arjuna não é uma pessoa comum. Ele é um associado eterno do Senhor, uma alma eternamente liberada, dotada de completa iluminação espiritual. Ele foi colocado em ilusão diretamente pelo arranjo da providência para, desse modo, ser criada a condição ideal para que o Bhagavad-gita fosse falado pelo Senhor.
Tendo aceitado a posição de um discípulo rendido, Arjuna estabeleceu que, como almas espirituais dentro de um corpo material, estamos vivendo uma situação incompatível e dependemos da ajuda de um mestre espiritual qualificado. Admitindo sua fraqueza e dificuldade em enfrentar parentes e amigos numa batalha, Arjuna pede auxílio ao Senhor Krishna e assume o papel de um discípulo obediente e humilde, colocando-se sob Suas divinas instruções. 

Sementes Espaço Ponto de Luz Rosana Rodrigues.
Rasalila Devi Dasi.