segunda-feira, 3 de março de 2014

ESTUDO DOS VEDAS (cont) - CAPÍTULO I

                                   Continuação ao Estudo dos Vedas - Capítulo I

CAPÍTULO I: Observando os Exércitos



Pérola 1. DURYODHANA ACREDITA NA VITÓRIA (versos 1 a 11)

1. Dhritarastra disse: Ó Sañjaya, que fizeram meus filhos e os filhos de Pandu depois que se reuniram no lugar de peregrinação em Kurukshetra, desejando lutar? 2. Sañjaya disse: Ó rei, após observar o exército disposto em formação militar pelos filhos de Pandu, o rei Duryodhana foi até seu preceptor e falou as seguintes palavras. 3. Ó meu mestre, olha o grande exército dos filhos de Pandu, tão habilmente organizado por teu inteligente discípulo, o filho de Drupada. 4. Aqui neste exército, estão muitos arqueiros heróicos que sabem lutar tanto quanto Bhima e Arjuna: grandes lutadores como Yuyudhana, Virata e Drupada. 5. Há também grandes combatentes heróicos e poderosos, tais como Dhristaketu, Chekitana, Kashiraja, Purujit, Kuntibhoja e Saibya. 6. Há o possante Yudhamanyu, o poderosíssimo Uttamauja, o filho de Subhadra e os filhos de Draupadi. Todos esses guerreiros lutam habilmente em suas quadrigas. 7. Mas para a tua informação, ó melhor dos brahmanas, deixa-me falar-te sobre os capitães que estão especialmente qualificados para conduzir minha força militar. 8. Há personalidades como tu, Bhisma, Karna, Kripa, Asvatthama, Vikarna e o filho de Somadatta chamado Bhurisrava, que sempre saem vitoriosos na batalha. 9. Há muitos outros heróis que estão preparados a sacrificar sua vida por mim. Todos eles estão bem equipados com diversas espécies de armas, e todos são experientes na ciência militar. 10. Nossa força é incomensurável, e estamos perfeitamente protegidos pelo avô Bhisma, ao passo que a força dos Pandavas, cuidadosamente protegida por Bhima, é limitada. 11. Todos deveis dar todo o apoio ao avô Bhisma, à medida que assumis vossos respectivos pontos estratégicos enquanto entrais na falange do exército.

Dhritarastra e Pandu eram irmãos, pois ambos haviam sido gerados pelo grande sábio Vyasadeva. A história do nascimento deles começa com um incidente ocorrido com o piedoso Maharaja Mahabhisheka.
Tendo abandonado seu corpo, Mahabhiseka alcançou os planetas celestiais. Ao visitar Satyaloka com o propósito de adorar o Senhor Brahma, Mahabhisheka encontrou-se com a bela deusa Ganga. Naquela atmosfera devocional, uma brisa fortuita levantou o vestido de Ganga, inspirando-o a lançar um olhar luxurioso para ela. Uma vez que Ganga Devi havia respondido ao olhar do rei com um leve sorriso, Brahma ficou indignado com a atitude deles e amaldiçoou-os a nascer na Terra. Não desejando vir a este planeta, Ganga Devi caiu aos pés do Senhor Brahma, pedindo seu perdão. Mas, Brahma disse a ela que somente depois de liberar os oito Vasus*, ela iria recuperar sua verdadeira posição. Desse modo, Mahabhiseka teve de nascer na Terra como Maharaja Santanu e obteve Ganga como sua esposa.
Enquanto caçava nas margens do rio Ganges, Santanu conheceu a linda donzela Ganga e imediatamente caiu de amor por ela, desejando-a como esposa. Ela aceitou tornar-se sua esposa na condição que ele não poderia se opor a qualquer coisa que ela fizesse. Caso contrário, ela partiria imediatamente para nunca mais voltar. Embora assustado com o que acabara de ouvir, Santanu concordou com Ganga, e eles se casaram.
Ganga mostrava ser uma esposa ideal. Dedicada e gentil, ela era querida por todos e parecia que eles formavam um casal perfeito. Logo uma bela criança nasceu, entretanto, de uma maneira cruel, Ganga pegou este filho e carregou-o até a beira do rio Ganges. Santanu ficou perplexo, mas, lembrando a promessa que fizera a Ganga, não podia contrariá-la. Desse modo, em grande desespero e calado, Santanu teve de assistir à sua querida esposa atirando dentro do rio Ganges a criança recém-nascida. Sete filhos nasceram e ela jogava um por um dentro do rio Ganges. Em grande desespero e incapaz de se controlar, após o nascimento do oitavo filho, Santanu tentou impedir Ganga de voltar a cometer semelhante crueldade. Embora tivesse concordado com Santanu, Ganga lembrou-o de que ele havia quebrado sua promessa e, como havia sido combinado, imediatamente partiu do palácio para a floresta, acompanhada de seu oitavo filho, o qual passou a chamar-se Devavrata.
Muitos anos se passaram e, novamente, Santanu Maharaja foi à beira do rio Ganges para caçar. Dessa vez, ele viu um lindo jovem parando o fluxo das águas, atirando uma fileira de flechas sobre toda a sua extensão. Sentindo-se atraído por ele, Santanu se aproximou e, naquele momento, Ganga Devi apareceu novamente diante do rei. Entendendo que o menino era o seu querido filho, Santanu, dirigindo-se a Ganga, pediu-o de volta e levou-o para o seu palácio, enquanto Ganga desapareceu para sempre.
Santanu ficou muito feliz com a companhia de seu querido e qualificado filho, pois o jovem e maravilhoso Devavrata possuía beleza indescritível e havia sido educado em todos os ramos de conhecimento dos Vedas pelo poderoso sábio Vashistha. Desse modo, todos, e especialmente Santanu, estavam muito felizes, pois agora o reino possuía um herdeiro verdadeiramente qualificado.
Um dia, novamente enquanto caçava na floresta, Santanu sentiu um doce aroma de almíscar no ar que exalava do corpo da bela jovem chamada Satyavati*, a qual era a filha de um pescador. Sentindo-se completamente encantado por ela, Santanu aproximou-se de seu pai e pediu-a em casamento. Mas o valente pescador não cedeu ao pedido do rei imediatamente, pois ele explicou que sua filha havia recebido uma bênção do grande sábio Parashara Muni de que o filho dela herdaria o trono real. Ele também acrescentou que Santanu já tinha Devavrata como filho e este seria o herdeiro do trono. Incapaz de encontrar solução para o problema, Santanu voltou para o palácio, sentindo muita tristeza e depressão por não poder se casar com a bela Satyavati. Desde então, Santanu perdeu o interesse pela vida e preferia permanecer em sua cama, passando o tempo na solidão.
Preocupado com a condição de seu pai, Devavrata aproximou-se dos seus ministros, os quais contaram todos os pormenores da causa da lamentação de seu pai. Imediatamente indo até o pescador, Devavrata pediu para que ele permitisse que sua filha se casasse com seu pai. Tendo ouvido as condições impostas pelo pescador, Devavrata decidiu imediatamente renunciar ao reino. Desse modo, o filho de Satyavati se tornaria o herdeiro do trono. No entanto, o pescador ainda não estava satisfeito. Sendo muito inteligente e perspicaz, ele mencionou que, ainda assim, no futuro poderia haver uma grande disputa pelo trono entre o filho de Satyavati e o filho de Devavrata. Neste caso, num gesto de completa fidelidade a seu pai, Devavrata se levantou e, com as mãos postas, fez um voto solene de castidade, garantindo ao pescador que nunca iria se casar! Neste momento, os semideuses lançaram do céu uma chuva de flores, enquanto declararam impressionados que, a partir daquele momento, Devavrata deveria ser chamado de Bhisma, ou seja: “Aquele que fez um voto terrível”. Ficando satisfeito, o pescador finalmente concordou em dar a mão de sua filha a Santanu.
Devavrata, agora conhecido como Bhisma, levou Satyavati para o palácio e entregou-a a seu pai. Ao saber dos detalhes sobre o que havia acontecido, Santanu Maharaja ficou muito satisfeito com o seu filho e o abraçou com lágrimas de gratidão e orgulho, dando-lhe a bênção de que ele só iria morrer quando quisesse.
Do casamento de Santanu e Satyavati nasceram Vichitravirya e Chitrangada, sendo este último coroado como rei. No entanto, o jovem rei foi morto por um Gandharva de mesmo nome, deixando o trono para seu irmão Vichitravirya. Bhisma estava preocupado com a continuidade da dinastia e, por isso, queria que seu jovem irmão Vichitravirya se casasse o mais rápido possível. Ouvindo que o momento da cerimônia svayamvara (a cerimônia da escolha do esposo) das três filhas do rei de Kashi havia chegado, Bhisma se dirigiu até lá. Como ele já era um pouco idoso e tinha a fama de ter feito um voto de castidade, os outros reis tentaram impedi-lo de participar da cerimônia. Depois de derrotar vários reis como Salva, Bhisma heroicamente raptou as três filhas do rei de Kashi e levou-as em sua carruagem para o palácio de Vichitravirya. Com sua chegada, portanto, foram feitas as preparações para o casamento de Vichitravirya com as três princesas que se chamavam Amba, Ambika e Ambalika. Então, Amba aproximou-se de Bhisma e disse-lhe que ela já havia entregado seu coração ao rei Salva. Bhisma, então, permitiu que ela retornasse para casa e fosse procurar Salva. Assim sendo, Vichitravirya casou-se com Ambika e Ambalika. Depois de reinar por sete anos, Vichitravirya acaba morrendo sem deixar nenhum herdeiro, criando mais uma grande crise na dinastia.
Depois disso, Satyavati aproximou-se de Bhisma e pediu para que ele gerasse uma criança numa das esposas de seu falecido irmão, mas Bhisma manteve-se firme e decidido a não quebrar sua promessa. Então, Satyavati contou-lhe que quando era bastante jovem teve com Parashara Muni um filho cujo nome era Vyasadeva, e sugeriu trazê-lo para gerar filhos nas viúvas de Vichitravirya. Na verdade, Vyasadeva era um sábio muito famoso e poderoso e levava uma vida retirada, praticando austeridades e penitências nas montanhas dos Himalayas. Bhismadeva imediatamente concordou com a idéia, vendo a possibilidade de dar continuidade à dinastia de seu pai. Tendo sido solicitado, Vyasadeva concordou com a proposta e desceu das montanhas Himalayas para satisfazer o pedido de sua querida mãe. No entanto, devido às suas severas penitências, seu aspecto era assustador. Seus cabelos e barba eram longos e desgrenhados e suas unhas eram enormes. Ao aproximar-se de Ambika para gerar um filho, ela ficou bastante assustada e fechou os olhos durante o intercurso sexual. Desta união, nasceu Dhritarastra, um rei muito forte e poderoso. Entretanto, como Ambika havia fechado seus olhos no momento da união com Vyasa, Dhritarastra nasceu cego. Chegou, portanto, a vez de Ambalika ser chamada para conceber um filho com o sábio Vyasa. Sabendo do que havia acontecido com sua irmã, Ambalika estava muito assustada e manteve seus olhos bem abertos durante o ato sexual. O resultado desta união foi o nascimento do poderoso Pandu, o qual nasceu excessivamente pálido, devido à condição assustada de sua mãe na hora de sua concepção. Ao crescerem, Dhritarastra casou-se com Gandhari, ao passo que Pandu casou-se com Kunti e Madri.
Com a bênção de Vyasa, da união de Dhritarastra e Gandhari, nasceram cem filhos, encabeçados pelo malévolo Duryodhana*, enquanto Pandu teve cinco filhos com suas esposas, os quais ficaram famosos como Pandavas. Embora fosse mais velho do que Pandu, Dhritarastra foi excluído da herança do reino devido à sua cegueira. Desse modo, Pandu foi coroado rei. No entanto, seu reinado durou muito pouco e, antes mesmo de ter filhos, Pandu recebeu uma terrível maldição que ele seria morto no momento que ele se entregasse ao ato sexual. Desse modo, Pandu abandonou o reino e, acompanhado de suas duas esposas, foi viver na floresta executando austeridades. Vendo que novamente a dinastia estava ameaçada, uma de suas esposas, a gloriosa Kunti Devi, revelou que havia recebido a bênção do grande sábio Durvasa Muni de invocar qualquer semideus que desejasse para, deste modo, gerar filhos com ele. Portanto, a pedido de Pandu, Kunti foi capaz de gerar três filhos gloriosos. Primeiro Kunti invocou Dharma, o semideus da religião, gerando assim um virtuosíssimo filho. Logo que nasceu, uma voz divina disse: “Esta criança será chamada Yudhisthira e será gloriosa, determinada, renunciada e famosa nos três mundos!” Pandu desejava também um filho de grande força física. Portanto, Kunti invocou Vayu, o semideus do vento. Tendo se unido com ele, uma criança muito poderosa foi gerada. Ao nascer, a mesma voz sobrenatural disse: “Esta criança será o mais forte dentre os homens!” Em seguida, Kunti invocou Indra, o rei dos céus, e concebeu mais uma linda criança. Desta vez, a voz celestial vibrou: “Ó Kunti, esta criança será tão forte como Kartavirya e Shibi, e, como o próprio Indra, será invencível na batalha. Sua fama espalhar-se-á por todos os lugares e ele obterá armas divinas”. Subsequentemente, Madri, a segunda esposa de Pandu, gerou dois filhos: Nakula e Sahadeva. Estes cinco filhos – Yudhisthira, Bhima, Arjuna, Nakula e Sahadeva – ficaram conhecidos como Pandavas.
Desde a época em que Pandu havia ido para a floresta, Dhritarastra havia assumido temporariamente o reino, até que Yudhisthira atingisse a idade apropriada para assumir o trono. Entretanto, como resultado da maldição que havia recebido, Pandu morreu antes que seu filho mais velho fosse entronizado e os Pandavas ficaram sob os cuidados de Kunti Devi, uma vez que Madri havia renunciado sua vida, entrando na pira funerária juntamente com seu esposo. Depois disso, os Pandavas foram levados para Hastinapura e foram criados à maneira real sob os cuidados de Dhritarastra.
Portanto, como depois da morte de seu pai os Pandavas viveram sob o completo abrigo de Dhritarastra, eles também deveriam ser considerados como filhos diretos de Dhritarastra. No entanto, fica bastante explícito aqui no começo do Bhagavad-gita que, infelizmente, Dhritarastra limitava seu interesse apenas em seus filhos, não se considerando responsável de por proteção a filhos de seu irmão Pandu. Em condições normais, tal comportamento por parte de Dhritarastra não fazia o menor sentido, uma vez que tanto seus filhos quanto os filhos de seu falecido irmão sempre viveram juntos no mesmo palácio onde estudaram e aprenderam as ciências militares, políticas, etc.
O verdadeiro problema era que a cegueira de Dhritarastra também se manifestava na vida espiritual. Especialmente seu filho mais velho, Duryodhana, havia herdado dele esta mesma cegueira espiritual e não queria conviver amistosamente com seus primos-irmãos, os Pandavas. Ele não conseguia tolerar o fato de que seus primos, encabeçados por Yudhisthira, deveriam ser coroados como sucessores do reino dos Kurus. Sedentos de poder, os invejosos filhos de Dhritarastra criaram uma situação insustentável, a qual acabou culminando na grande Batalha de Kurukshetra.
É igualmente importante verificarmos a grande preocupação de Dhritarastra pelo resultado desta batalha. Em seu íntimo, ele podia compreender que a tentativa de seus filhos de usurparem o reino de seus primos era ilícita e, por conseguinte, estava destinada ao fracasso. Ao citar que a batalha aconteceria em Kurukshetra, um lugar de peregrinação, ele estava indiretamente perguntando a seu secretário Sañjaya* se, de fato, a influência do lugar favoreceria os Pandavas que eram seguidores estritos do dharma. Como resposta, Sañjaya inicia a descrição da situação no campo de Kurukshetra, transmitindo primeiramente o diálogo entre Duryodhana e seu mestre de armas, Dronacharya.
Como um materialista cobiçoso e obstinado, Duryodhana estava pensando que a força de seu exército era superior. Ele não podia compreender que o Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, estando ao lado de Arjuna, definia completamente a vitória para o lado dos Pandavas, os quais, além de altamente qualificados, se sentiam plenamente dependentes e confiantes na misericórdia do Senhor.
*VASUS: Certa vez, a esposa de Dyau, um dos oito Vasus, estava perambulando pela floresta e viu a vaca Nandini pastando com seu bezerro perto do ashram de Vasistha Muni. Atraída pela beleza e pelos poderes divinos que o animal possuía, ela desejou obter esta vaca para presenteá-la à sua amiga Jitavati, a filha do rei Ushinara. Deste modo, ela informou seu esposo Dyau sobre seu desejo e, no dia seguinte, quando o sábio Vasistha estava ausente, os oito Vasus roubaram Nandini com seu bezerro. Quando Vasistha retornou ao ashram, tanto Nandini quanto seu bezerro haviam desaparecido e, com seus olhos místicos de grande yogi, ele pôde entender a razão disto. Desse modo, ele amaldiçoou os Vasus a nascerem na Terra, e, quando eles imploraram pelo seu perdão, Vasistha Muni decidiu diminuir a maldição, dizendo-lhes que, ainda assim, eles teriam de simplesmente nascer na Terra para imediatamente morrer e voltar para os planetas celestiais. Ao mesmo tempo, o sábio disse que Dyau sozinho, o qual havia liderado o roubo de Nandini, deveria viver na Terra por um longo período antes de retornar aos planetas celestiais.
*SATYAVATI: Ao contemplar a união de dois animais, certa vez enquanto caçava, o rei Uparicharavasu ejaculou seu poderoso sêmen. O rei então enviou seu sêmen à rainha, mas, no caminho, o sêmen caiu no rio Ganges e foi comido por um peixe, o qual era a jovem celestial Adrika que havia sido amaldiçoada a nascer como um peixe. Adrika ficou grávida e foi capturada por um pescador que, ao abrir a barriga do peixe, encontrou um menino, o qual foi entregue ao rei, e uma menina, que foi criada por ele. Seu nome era Satyavati, mas, por que tinha cheiro (gandha) de peixe (matsya), a bela menina ficou conhecida como Matsya-gandha. Crescendo sob os cuidados do pescador, Matsya-gandha ajudava-o a atravessar as pessoas para a outra margem do Ganges. Numa ocasião, o sábio Parashara desejou ir para a outra margem do rio. A pedido de seu pai, Matsya-gandha, a qual já havia se tornado uma jovem mulher, começou a remar, sentada em frente a ele. A beleza da donzela combinada com as ondas do rio atraiu sexualmente o sábio Parashara, que veio sentar-se perto dela. Assustada, Matsya-gandha afastou-se e pediu humildemente que não violasse sua castidade. O poderoso sábio então formou um nevoeiro em volta do barco e criou uma pequena ilha no meio do rio. Neste momento, o cheiro de peixe desapareceu e um doce aroma de almíscar surgiu do corpo da donzela. Dando-lhe a garantia de que ela não perderia sua virgindade, o sábio concebeu uma criança no ventre de Satyavati e disse: “Ó gloriosa Satyavati! Uma porção plenária de Vishnu virá como teu filho. Ele será puro, famoso nos três mundos, altamente erudito e o mestre do mundo todo e será conhecido como Vyasadeva!”
*DURYODHANA: Quando menina, Gandhari havia recebido uma bênção do Senhor Shiva de conceber cem filhos. Embora fosse uma das mais belas moças daquela época, quando ficou sabendo que seu futuro esposo seria o cego Dhritarastra, a casta Gandhari voluntariamente decidiu cobrir seus olhos com tiras de seda. Gandhari logo ficou grávida de Dhritarastra, mas, passados dois anos, ela ainda não havia dado à luz. Neste ínterim, a esposa de Pandu, Kunti Devi, concebeu Yudhisthira como filho, o que provocou a inveja de Gandhari. Desse modo, Gandhari ficou irada e deu uma pancada em seu próprio abdômen, provocando o aborto de um amontoado de carne. O sábio Vyasadeva se propôs a ajudá-la e aconselhou-a a dividir o amontoado em cem partes. Cada uma das partes se desenvolveu até se tornar um menino e, assim, sua ambição de ser mãe de cem filhos foi satisfeita. O filho mais velho foi chamado de Duryodhana, o qual, no momento do nascimento, emitiu um grito terrível que era exatamente como um choro de um asno e, ao ouvirem-no, os outros asnos também gritaram, produzindo um som demoníaco. Ao mesmo tempo, os chacais uivavam, pássaros como os corvos e abutres choravam e uma forte tempestade testemunhava a terrível ocasião. Alarmado pelos maus presságios, Dhritarastra enviou seu filho aos brahmanas e outros benquerentes como Bhisma e Vidura e perguntou a eles se seu filho poderia se tornar rei depois da morte de Yudhisthira. Novamente, os maus presságios se manifestaram como testemunhas. Depois de madura consideração, Vidura e os brahmanas eruditos responderam que, devido ao nascimento de Duryodhana, toda a região e seu povo seriam arruinados e que Dhritarastra deveria abandonar a criança. Evidentemente, devido à afeição paternal, Dhritarastra não foi capaz de tomar esta atitude.
*SAÑJAYA: Tendo nascido nos círculos de amigos dos Kauravas, Sañjaya tornou-se ministro de Dhritarastra e recebeu uma grande bênção de Vyasadeva. Quando Vyasa foi visitar Dhritarastra, os exércitos dos Kauravas e dos Pandavas estavam se preparando para a batalha. Dhritarastra estava ansioso, mas, como era cego, estava impossibilitado de ir ao campo de Kurukshetra e observar os acontecimentos por si só. Desse modo, Vyasa chamou Sañjaya e, dando-lhe uma visão divina interior, abençoou-o a ver todos os eventos da batalha diretamente dentro do coração e narrá-los para Dhritarastra.

Pérola 2. O SOAR DOS BÚZIOS (versos 12 a 19)

12. Então Bhisma, o grande e valente patriarca da dinastia Kuru, o avô dos combatentes, soprou seu búzio bem alto, produzindo um som parecido com o rugido de um leão, dando alegria a Duryodhana. 13. Depois disso, os búzios, tambores, clarins, trombetas e cornetas soaram todos de repente, produzindo um som tumultuoso. 14. No outro lado, o Senhor Krishna e Arjuna, acomodados numa grande quadriga puxada por cavalos brancos, soaram seus búzios transcendentais. 15. O Senhor Krishna soprou Seu búzio, chamado Panchajanya; Arjuna soprou o seu, o Devadatta; e Bhima, o comedor voraz que executa tarefas hercúleas, soprou seu aterrador búzio, chamado Paundra. 16-18. O rei Yudhisthira, filho de Kunti, soprou seu búzio, o Anantavijaya, e Nakula e Sahadeva sopraram o Sugosha e Manipuspaka. Aquele grande arqueiro, o rei de Kashi, o grande lutador Sikhandi, Dhristadyumna, Virata, o invencível Satyaki, Drupada, os filhos de Draupadi, e os outros, ó rei, tais como o poderoso filho de Subhadra, todos sopraram seus respectivos búzios. 19. O som arrancado destes diferentes búzios tornou-se estrondoso. Vibrando no céu e na terra, ele abalou os corações dos filhos de Dhritarastra.
Embora os Pandavas e os Kauravas realmente fossem se confrontar em Kurukshetra para decidir quem iria governar a Terra, ao mesmo tempo, a batalha também possuía seus aspectos esotéricos, e estava repleta de significados ocultos. Por exemplo, Krishna é conhecido como Partha-sarathi porque aceitou atuar como o quadrigário de Arjuna. Analogamente, nosso corpo material é também comparado a uma quadriga arrastada por cinco cavalos, os cinco sentidos. Neste exemplo, nossa mente é comparada às rédeas desta quadriga e a inteligência é comparada ao quadrigário ou condutor. Portanto, a alma está simplesmente na posição de passageiro deste corpo material, ou quadriga. Isto significa que, ao aceitar atuar como quadrigário de Seu amigo e devoto Arjuna, o Senhor Krishna estava indicando que não iria simplesmente conduzir a sua quadriga propriamente dita. O Senhor Krishna previu que Arjuna teria de enfrentar sérios problemas com seus “cavalos” dos sentidos, e, devido a afeição que sentia por Arjuna, queria ajudá-lo a conduzir corretamente seus sentidos. Em outras palavras, assim como Partha-sarathi é o nome de Krishna que O indica como o condutor de Arjuna, ao ser chamado de Hrishikesha, o Senhor Krishna confirma que, como Inteligência Suprema, Ele é o condutor dos sentidos, ou cavalos, dos Seus devotos, que estão temporariamente como passageiros neste corpo material, ou quadriga, lutando arduamente com seus próprios inimigos internos, tais como a cobiça, a luxúria e a ira.
A batalha estava prestes a começar. Sañjaya descreve os guerreiros soprando suas conchas, indicando que estavam prontos para o seu início. Primeiramente, ele procura animar Dhritarastra, comparando o som produzido pela concha do avô Bhisma com um poderoso rugido de um leão. No entanto, logo que os búzios de Krishna e Arjuna foram soprados, Sañjaya os chama de búzios transcendentais. Tal diferença entre a descrição do búzio soprado por Bhisma e, por outro lado, dos búzios soprados por Krishna e Arjuna, simplesmente servia como uma forte indicação de que a vitória estava ao lado de Arjuna, que aceitou que seu amigo e companheiro, Krishna, Hrishikesha, ou “o Senhor dos sentidos”, atuasse como seu quadrigário.

Pérola 3. ARJUNA OBSERVA OS EXÉRCITOS (versos 20 a 27)

20. Naquele momento, Arjuna, o filho de Pandu, sentado na quadriga que portava a bandeira na qual estava estampada a marca de Hanuman, pegou do seu arco e preparou-se para disparar suas flechas. Ó rei, após ver os filhos de Dhritarastra dispostos em formação militar, Arjuna então dirigiu ao Senhor Krishna estas palavras. 21-22. Arjuna disse: Ó infalível, por favor, coloca minha quadriga entre os dois exércitos para que eu possa ver as pessoas aqui presentes, que desejam lutar, e com quem devo me digladiar neste grande empreendimento bélico. 23. Deixa-me ver aqueles que vieram aqui para lutar, desejando agradar ao mal-intencionado filho de Dhritarastra. 24. Sañjaya disse: Ó descendente de Bharata, tendo recebido de Arjuna essa determinação, o Senhor Krishna conduziu a magnífica quadriga para o meio dos exércitos de ambos os grupos. 25. Na presença de Bhisma, de Drona e de todos os outros comandantes do mundo, o Senhor disse: Simplesmente observa, Partha, todos os Kurus aqui reunidos. 26. Foi então que Arjuna pôde ver, no meio dos exércitos em ambos os grupos, seus pais, avós, mestres, tios maternos, irmãos, filhos, netos, amigos e também seus sogros e benquerentes. 27. Ao ver todas essas diferentes categorias de amigos e parentes, o filho de Kunti, Arjuna, ficou dominado pela compaixão e falou as seguintes palavras.

Ao ver seus parentes e benquerentes prontos para se digladiarem com ele, Arjuna ficou completamente dominado pela compaixão. As conchas já haviam sido sopradas e a batalha estava a ponto de começar, mas, ainda assim, Arjuna queria pela última vez contemplar o exército adversário, que era composto por pessoas conhecidas por ele. Como representante do exército dos piedosos, Arjuna não tinha o menor desejo de lutar com seus primos, mas, infelizmente, apesar de todas as tentativas de reconciliação, os Pandavas foram forçados a ir ao Campo de Batalha de Kurukshetra devido à obstinação de Duryodhana, que nunca aceitou acordos pacíficos. Pelo contrário, Duryodhana, como representante do exército dos impiedosos, juntamente com seu tio Shakuni e seu pai Dhritarastra, engendrou grandes planos maquiavélicos para usurpar o reino dos Pandavas. No entanto, como um grande devoto puro do Senhor, Arjuna não guardava a menor mágoa de seus primos.
Como Superalma de todas as entidades vivas, o Senhor Krishna sabia o que se passava na mente de Seu devoto e, embora fosse o Senhor Supremo, Krishna apreciava Se ocupar a serviço de Seu devoto. Isto revela que o relacionamento amoroso entre o Senhor e Seus devotos é encantador. O devoto está sempre absorto em prestar serviço a seu Senhor adorável e, por Sua vez, o Senhor está sempre procurando oportunidades para prestar serviços amorosos aos Seus devotos. Na verdade, é dito que o Senhor sente mais prazer em prestar serviço a Seus devotos do que ser servido por eles. Obviamente, isto também acontece com os devotos. No entanto, é importante ressaltar que, como a Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Krishna não necessita ser o cumpridor das ordens de ninguém. Se Ele o faz, devemos compreender que isto é simplesmente um aspecto de Sua personalidade transcendental que é plena de qualidades. Portanto, do mesmo modo que um pai presta serviço a seu filho querido e sente prazer em fazê-lo, o Senhor pode, a Seu bel-prazer, assumir a posição de um servo prestativo de Seu devoto. Por que não? Devido à Sua misericórdia e afeição amorosa para com Seus devotos, isto se torna completamente possível.
Existe uma bela história em relação à figura de Hanuman na bandeira de Arjuna. Certa vez, durante uma viagem, Arjuna ficou muito surpreso ao ver um represa que havia sido construída de Ramesvara até Lanka pelo Senhor Ramachandra. Entretanto, ele achou que não foi totalmente apropriado por parte do Senhor Rama ter solicitado a ajuda dos macacos para construir a represa, pois Ele poderia ter simplesmente utilizado Suas próprias flechas. Arjuna colocou a questão para um grande erudito que estava próximo dali lendo o Ramayana, mas nem o erudito e nem outros brahmanas que estavam lá puderam dar uma resposta convincente para Arjuna. Então, uma macaco ainda filhote apareceu para Arjuna e disse com orgulho que uma represa feita de flechas teria se quebrado quando os macacos fossem andar nela. Arjuna então disse: “Não, não, nenhum macaco seria capaz de quebrar uma represa feita pelas flechas de Rama. Que macaco seria capaz de quebrar uma represa feita por mim?” Então, o macaco e Arjuna fizeram uma aposta. Ficou combinado que, se o macaco quebrasse uma represa feita por Arjuna, Arjuna teria de acabar com sua vida, jogando-se no fogo. Por outro lado, se o macaco não conseguisse quebrar a represa, ele se tornaria um escravo de Arjuna. Arjuna construiu uma represa com flechas e rapidamente o macaco quebrou-a com seus pés. Arjuna tentou novamente e o macaco mais uma vez não teve grande dificuldade em quebrá-la. Desse modo, não havia outra alternativa para Arjuna a não ser se lançar dentro do fogo e abandonar sua vida. Antes de fazer isso, porém, um menino brahmana apareceu e disse para Arjuna que sua auto-aniquilação não deveria ser considerada válida. Ele então sugeriu que Arjuna tentasse de novo e ele atuaria como árbitro. A sugestão do menino foi aceita. E o filhote de macaco tentou em vão quebrar a represa feita novamente por Arjuna. O macaco então desenvolveu seu corpo até o tamanho de uma montanha e se atirou em cima das flechas de Arjuna, mas, ainda assim, sua tentativa foi malsucedida. Neste momento, compreendendo o que estava acontecendo, ele correu até o menino que atuava como árbitro e caiu aos Seus pés chorando: “Ó Ramachandra”. Naquele mesmo momento, Arjuna também prostrou-se perante o menino, chorando e dizendo: “Ó querido Krishna, ó escravo dos Teus devotos”. O menino então pediu para que ambos se aproximassem. Ele também pediu ao macaco (o qual era na verdade Hanuman) honrar sua palavra, mantendo-se como um emblema na bandeira de Arjuna.

Pérola 4. ARJUNA MANIFESTA LAMENTAÇÃO E COMPAIXÃO (versos 28 a 35)

28. Arjuna disse: Meu querido Krishna, vendo diante de mim meus amigos e parentes com esse espírito belicoso, sinto os membros do meu corpo tremer e minha boca secar. 29. Todo o meu corpo está tremendo, meus pêlos estão arrepiados, meu arco Gandiva está escorregando da minha mão e minha pele está ardendo. 30. Já não sou capaz de continuar aqui. Estou esquecendo-me de mim mesmo e minha mente está girando. Parece que tudo traz infortúnio, ó Krishna, matador do demônio Keshi. 31. Não consigo ver qual o bem que decorreria da morte de meus próprios parentes nesta batalha, nem posso eu, meu querido Krishna, desejar alguma vitória, reino ou felicidade subseqüentes. 32-35. Ó Govinda, que nos adiantam um reino, felicidade ou até mesmo a própria vida quando todos aqueles em razão de quem somos impelidos a desejar tudo isto estão agora enfileirados neste campo de batalha? Ó Madhusudana, quando mestres, pais, filhos, avós, tios maternos, sogros, netos, cunhados e outros parentes estão prontos a abandonar suas vidas e propriedades e colocam-se diante de mim, por que deveria eu querer matá-los, mesmo que, por sua parte, eles sejam capazes de matar-me? Ó mantenedor de todas as entidades vivas, não estou preparado para lutar com eles, nem mesmo em troca dos três mundos, muito menos desta Terra. Que prazer obteremos em matarmos os filhos de Dhritarastra?

Como discutimos anteriormente, Arjuna era um verdadeiro devoto do Senhor, uma pessoa piedosa cheia de qualidades santas. Por isso, ao perceber a destruição inevitável que estava por vir, Arjuna ficou completamente transtornado. Embora fosse extremamente forte, os membros de seu poderoso corpo de guerreiro começaram a tremer e sua fraqueza foi tão grande que ele foi incapaz de manter-se segurando suas armas. Uma batalha significa muitas mortes, e morte significa a perda do próprio corpo e, especificamente na situação de Arjuna, a perda de outros corpos que estavam ligados a ele por afeição familiar. Diante desta difícil realidade, Ele ficou dominado pelo sentimento de medo. Subitamente sua boca secou, sua pele começou a arder e sua mente começou a girar. Tais características são típicas de uma pessoa absorta na concepção de vida material. No entanto, é sempre bom lembrar que tudo isto aconteceu pela vontade suprema de Krishna que desejou que Arjuna, naquele momento, representasse o papel de uma pessoa que estava ignorando seu verdadeiro eu. Dando-nos o exemplo de uma pessoa excessivamente consciente de suas relações corpóreas, Arjuna esqueceu que a Suprema Personalidade de Deus estava do seu lado no campo de batalha, tornando tudo absolutamente auspicioso. Em outras palavras, todos os guerreiros envolvidos nesta batalha receberiam um benefício espiritual incomparável, pois, ao morrer na presença direta do Senhor Krishna, todos teriam garantida a sua libertação espiritual. A realidade é que a presença do Senhor no campo de batalha trouxe unicamente benefícios para todos os que estavam presentes. Portanto, o Senhor é sempre absolutamente bom e não devemos pensar que, como amigo íntimo de Arjuna, Krishna estava pensando apenas em seu bem-estar. É importante compreender que o Senhor Krishna foi igualmente misericordioso com o grupo oposto que alcançou a máxima perfeição da vida por abandonarem seus corpos materiais, contemplando pessoalmente o Senhor na hora da morte.

Pérola 5. ARJUNA APRESENTA SUAS DÚVIDAS (versos 36 a 46)

36. O pecado nos dominará se matarmos tais agressores. Portanto, não convém matarmos os filhos de Dhritarastra e nossos amigos. Que ganharíamos, ó Krishna, esposo da deusa da fortuna, e como poderíamos ser felizes, matando nossos próprios parentes? 37-38. Ó Janardana, embora estes homens, com seus corações dominados pela cobiça, não achem errado matar a própria família ou brigar com os amigos, por que deveríamos nós, que entendemos ser crime destruir uma família, ocupar-nos nestes atos pecaminosos? 39. Com a destruição da dinastia, a tradição eterna da família extingue-se, e assim o resto da família se envolve em irreligião. 40. Quando a irreligião é preeminente na família, ó Krishna, as mulheres da família se poluem, e da degradação feminina, ó descendente de Vrishni, vem progênie indesejada. 41. Um aumento de população indesejada decerto causa vida infernal tanto para a família quanto para aqueles que destroem a tradição familiar. Os ancestrais dessas famílias corruptas caem, porque os rituais através dos quais se lhes oferecem alimento e água são inteiramente interrompidos. 42. Pelas más ações daqueles que destroem a tradição familiar, e acabam dando origem a crianças indesejadas, todas as espécies de projetos comunitários e atividades para o bem-estar da família entram em colapso. 43. Ó Krishna, mantenedor do povo, eu ouvi através da sucessão discipular que aqueles que destroem as tradições familiares sempre residem no inferno. 44. Ai de mim! Como é estranho que estejamos nos preparando para cometer atos extremamente pecaminosos. Levados pelo desejo de desfrutar da felicidade régia, estamos decididos a matar nossos próprios parentes. 45. Para mim, seria melhor que os filhos de Dhritarastra, de armas na mão, matassem-me no campo de batalha, desarmado e sem opor resistência. 46. Sañjaya disse: Arjuna, tendo falado essas palavras no campo de batalha, pôs de lado seu arco e flechas e sentou-se na quadriga, com sua mente dominada pelo pesar.

Arjuna era um verdadeiro kshatriya (guerreiro) e tinha todo o direito de exterminar os agressores. No entanto, uma vez que se tratava de seus parentes, ele preferia não tomar as medidas habituais. Isto mostra, mais uma vez, que Arjuna não era uma pessoa comum, pois sua preocupação em não cometer injustiças com seus primos destacava-se como um verdadeiro sinal de suas qualidades santas. Como um guerreiro, Arjuna deveria seguir seu dharma e prosseguir na luta para não correr o risco de ser considerado um covarde, principalmente naquele momento delicado, quando a proteção espiritual de todo um Estado dependia de sua firmeza na batalha. Em outras palavras, não era correto que Arjuna agisse como uma pessoa santa e perdoasse seus primos, caso tal atitude fosse comprometer todo o futuro do mundo que, desta maneira, iria receber a influência negativa de uma liderança demoníaca. De fato, seus interesses pessoais deveriam ser sacrificados em prol de uma causa muito superior.
De qualquer modo, é louvável o fato de Arjuna ser uma pessoa consciente e preocupada com o bem-estar de todos. Além de considerar a batalha entre parentes por si só um ato pecaminoso, Arjuna previa, além disso, uma série de resultados terríveis. Sua primeira preocupação era que, ao destruir a dinastia dos Kurus, a tradição da família extinguir-se-ia também, fazendo com que o resto da família passasse a se envolver em atos irreligiosos. Na verdade, tais argumentos de Arjuna são extremamente válidos. No sistema védico social e espiritual, os membros mais velhos das famílias possuem grandes responsabilidades. Neste sistema, os membros mais velhos têm a função de outorgar orientações morais e espirituais para ajudar os membros mais jovens da família a obterem uma boa formação e alcançarem verdadeiros valores espirituais. Portanto, com a morte de tais membros, sem a tradição moral e espiritual da família, ocorreria a interrupção de tal processo educacional e, assim, Arjuna previa o consequente desenvolvimento de hábitos irreligiosos por parte dos membros mais novos da família.
A próxima consideração de Arjuna era com as mulheres. Na verdade, a saúde física, moral, emocional e espiritual da população forma a base para uma sociedade humana pacífica e próspera, tanto material quanto espiritualmente. E, para que isto seja possível, o papel exercido pelas mulheres é fundamental. Numa família verdadeiramente religiosa, a responsabilidade das mulheres como mães e educadoras é indispensável. E, uma vez que o desempenho perfeito desse papel constitui a base da saúde moral da população, existe uma preocupação autêntica em dar-lhes sempre proteção, não permitindo que elas tenham que conviver livremente com homens irresponsáveis. Infelizmente, nos dias de hoje, as mulheres não recebem a devida proteção e, como resultado inauspicioso disto, existe uma convivência livre entre homens e mulheres inconsequentes. Devido a tal associação irreligiosa e ilícita, crianças indesejáveis proliferam, que crescem carentes de uma devida educação e carinho, o que causa uma vida infernal para a nossa humanidade atual. Portanto, para que uma sociedade humana seja realmente próspera e pacífica, a qualidade da população é uma preocupação fundamental e isto está intimamente ligado às qualidades de castidade e devoção das mães. Por esta série de considerações, Arjuna chegou à conclusão que tratava-se de um ato extremamente pecaminoso matar os parentes com o propósito de desfrutar da felicidade material. Por isso, ele revelou a seu amigo, o Senhor Krishna, que preferia até ser morto no campo de batalha sem reagir contra o ataque dos filhos de Dhritarastra. No início do Capítulo Dois, iremos verificar que Arjuna realmente encontrava-se numa situação extremamente difícil e delicada e, devido à sua atitude devocional humilde, ele pôde receber a graça do Senhor Krishna que bondosamente aceitou atuar como seu guru, ou mestre espiritual.
Definitivamente, Arjuna não é uma pessoa comum. Ele é um associado eterno do Senhor, uma alma eternamente liberada, dotada de completa iluminação espiritual. Ele foi colocado em ilusão diretamente pelo arranjo da providência para, desse modo, ser criada a condição ideal para que o Bhagavad-gita fosse falado pelo Senhor.
Tendo aceitado a posição de um discípulo rendido, Arjuna estabeleceu que, como almas espirituais dentro de um corpo material, estamos vivendo uma situação incompatível e dependemos da ajuda de um mestre espiritual qualificado. Admitindo sua fraqueza e dificuldade em enfrentar parentes e amigos numa batalha, Arjuna pede auxílio ao Senhor Krishna e assume o papel de um discípulo obediente e humilde, colocando-se sob Suas divinas instruções. 

Sementes Espaço Ponto de Luz Rosana Rodrigues.
Rasalila Devi Dasi.

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